domingo, 10 de março de 2013

Homem no Mar

Homem no Mar

Rubem Braga


De minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém
na praia, que resplende ao sol. O vento é nordeste, e vai tangendo,
aqui e ali, no belo azul das águas, pequenas espumas que marcham
alguns segundos e morrem, como bichos alegres e humildes; perto da
terra a onda é verde.

Mas percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Ele
nada a uma certa distância da praia, em braçadas pausadas e fortes;
nada a favor das águas e do vento, e as pequenas espumas que nascem e
somem parecem ir mais depressa do que ele. Justo: espumas são leves,
não são feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e o
homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a
transportar na água.

Ele usa os músculos com uma calma energia; avança. Certamente não
suspeita de que um desconhecido o vê e o admira porque ele está
nadando na praia deserta. Não sei de onde vem essa admiração, mas
encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele,
acompanho o seu esforço solitário como se ele estivesse cumprindo uma
bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes,
não sei; duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das
árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça, e
o movimento alternado de seus braços. Mais uns cinqüenta metros, e o
perderei de vista, pois um telhado a esconderá. Que ele nade bem esses
cinqüenta ou sessenta metros; isto me parece importante; é preciso que
conserve a mesma batida de sua braçada, e que eu o veja desaparecer
assim como o vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento,
sereno. Será perfeito; a imagem desse homem me faz bem.
É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem
sua cor, nem os traços de sua cara. Estou solidário com ele, e espero
que ele esteja comigo. Que ele atinja o telhado vermelho, e então eu
poderei sair da varanda tranqüilo, pensando — "vi um homem sozinho,
nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com
atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com
firmeza e correção; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e
ele o atingiu".

Agora não sou mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele
cumpriu o seu. Admiro-o. Não consigo saber em que reside, para mim, a
grandeza de sua tarefa; ele não estava fazendo nenhum gesto a favor de
alguém, nem construindo algo de útil; mas certamente fazia uma coisa
bela, e a fazia de um modo puro e viril.

Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe apertar a mão; mas dou meu
silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a
esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão.

Janeiro, 1953.


Extraído do livro "A Cidade e a Roça", Editora do Autor - Rio de
Janeiro, 1964, pág. 11.

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