domingo, 15 de dezembro de 2013

O FIM DO MUNDO

O FIM DO MUNDO (revisado em 03/11/12)

Fausto Couto Sobrinho - outubro de 2012

Ele era conhecido como o Zé do Fim do Mundo, porque era onde realmente vivia, ou sobrevivia, naqueles confins do sertão bruto, nas fronteiras de lugar nenhum, uma região sem nome e esquecida por Deus, como ele próprio resmoneava entre dentes e às vezes clamava aos céus em altos brados. Suportou a seca, o sol, a poeira e o apelido até que, num momento de epifania, uma voz lhe soprou aos ouvidos que a alcunha era justa, porque fora escolhido pela Divindade para alertar ao mundo que o Dia do Juízo se aproximava; que desta vez vinha mesmo, embora em outras ocasiões o Divino tenha coçado o cocoruto, pensado melhor e desistido de extinguir a sua criação, observando com Sua suprema bondade uma qualidadezinha aqui e outra ali. José atendeu ao chamado e mudou-se para a capital, assumindo com toda diligência e fervor a missão de pregar a chegada iminente do Apocalipse. Acordava cedinho, vestia um manto encardido e ia para as praças, onde brandia com severidade a palavra e o báculo contra os impenitentes que, passando a conhecê-lo, mantinham-se a distância prudente do pesado varapau. Um dia, resolveu lançar as suas imprecações contra um bando de punks que por ali passava, cujo cabelo colorido, roupas de couro e atitude debochada não lhe deixaram dúvidas quanto à qualidade de enviados de Satanás para desviar os crentes do caminho da verdade e sabotar o trabalho dele, José. Os ditos cujos, à vista das pessoas que ali estavam e que, embora condoídas, não se atreveram a interferir, passaram a voejar como corvos em torno do pregador e, enquanto riam com fúria demoníaca, desfechavam-lhe murros e sopapos, tentando o pobre inutilmente afastá-los com o seu bordão. Tomaram-lhe por fim o cajado e, com ele, moeram-no a pauladas, deixando-o estendido na praça como morto, os braços abertos como um Cristo descido da cruz. Após longo tempo nas Clínicas, entre a vida e a morte, as autoridades chegaram à conclusão de que José, solto por aí, representava um perigo para si e para a comunidade. Por mais que ele assegurasse a todos que era realmente um profeta, um enviado do Senhor, com a missão de preparar os escolhidos para o advento do Apocalipse, cujos Quatro Cavaleiros já se podiam divisar em horizonte próximo, o palavreado só serviu para convencer as pessoas da sua falta de senso e a decisão de interná-lo como insano não sofreu contestação a não ser a dele próprio, que sentia não ter ali o seu bordão, para pôr a cacetadas um pouco de fé na cabeça daqueles incréus. Nada adiantou e o Fim do Mundo pegou-o alguns dias depois no quarto 36 do Sanatório Municipal.

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