Murilo Mendes
Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.
Blog para ler e pensar... Um texto por dia... é a promessa... Ficarei muito feliz em ler e saber o que cada palavra despertou... Se você quiser compartilhar um texto, não hesite em mandar para rpf@rodolfopamplonafilho.com.br. Aqui, não compartilho apenas os meus textos, mas de poetas que eu já admiro e de todas as pessoas que queiram viajar comigo na poesia... Se quiser conhecer somente a minha poesia, acesse o blog rpf-poesia.blogspot.com.br. Espero que goste... Ficarei feliz com isso...
Murilo Mendes
Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.
Rodolfo Pamplona Filho
A pior solidão é
ficar sozinho na multidão,
esperando em pé
um pouco de atenção
de quem compartilha a fé
ou a promessa do coração.
Não sei se é trágico
ou simplesmente irônico,
mas é quase mágico,
diria icônico,
quando sua presença é reclamada,
mas, na verdade, ignorada...
Um dia, eu gritarei
e ouça quem quiser.
Direi tudo que sei
sobre a tristeza que vier:
não há dor maior ou lama
que ser ignorado por quem se ama.
Salvador, 06 de outubro de 2010.
Murilo Mendes
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959
Rodolfo Pamplona Filho
Sabe o que descobri?
Você é o único que
consegue me enxergar...
O amor verdadeiro remove as
membranas que fecham os olhos
e apenas você...
consegue me ver nua...
e que nada mais pode me quebrar...
E me viu nua...
sem tirar uma peça sequer de roupa...
E me viu nua...
sem expor parte alguma de meu corpo...
E me viu nua...
no dia em que olhou em meus olhos...
e viu além de qualquer casca...
E me viu nua...
no dia em que conheceu minha alma
e soube exatamente quem eu era...
e permiti tão íntima ligação
por não carecer de resistência...
por não precisar mais me esconder...
por acreditar em nós...
E eu descubro em você
o que pensei
somente existir em sonhos...
mas sonhos somente são possíveis
se estamos vivos...
sonhos somente existem
se há vida e desejo...
sonhos somente se realizam
na nudez da alma...
São Paulo, 07 de outubro de 2010.
Cecília Meireles
Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.
E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.
Rodolfo Pamplona Filho
O melhor mármore não faz
a mais bela estátua,
se for lapidado
por um escultor medíocre.
As melhores intenções
não se tornam boas obras,
se feitas sem provas,
mas só com convicções.
Quem ponderará
contra a truculência palpável
dos que se acham justos?
Quem nos salvará
do fascismo inevitável
dos homens bons?
12 de outubro de 2016, no voo para São Paulo.
Cecília Meireles
No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto
Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.
Rodolfo Pamplona Filho
Nem tudo permanece...
Na verdade, tudo muda
nem sempre para melhor!
Assim, o que é criado para libertar
pode ser usado para escravizar.
Quando se esquece
o sentido de cada ato,
todo importante ritual
apenas massifica
o que devia ser individual...
Quando não se particulariza,
todos se tornam
rostos sem nome
e sem história,
invisibilizando
em vez de simplesmente ver,
compactua-se
com a coadjuvância,
em vez de tornar protagonista...
Com isso, impessoaliza-se,
reiifica-se, coisifica-se,
mas nunca se envolve.
Sem saber,
ver ou tocar,
o toque
não há como
não se degenerar...
pois até Bençãos
podem se transformar
em Maldições
Salvador, 13 de maio de 2018.
Cecília Meireles
Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!
Rodolfo Pamplona Filho
Afinidade é uma palavra que define
o sentimento de proximidade
entre quem nem sequer se conhece direito,
mas tem a sensação de que, no peito,
já acolheu quem recebeu,
abraçou quem se perdeu
e revelou seu verdadeiro eu.
Salvador, 22 de outubro de 2023, papeando com Chico Gomes
Solano Trindade
Sou negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh`alma recebeu o batismo dos tambores
atabaques, gongôs e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço
plantaram cana pro senhor de engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu
Depois meu avô brigou como um danado
nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso
Mesmo vovó
não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou
Na minh`alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação
Boas-Vindas
de Rodolfo Pamplona Filho
Mi casa, Su Casa
Minha casa é sua casa
Este é um espaço
para sair do quadrado!
Deixe do lado de fora
tudo que é pesado
Levante a cabeça
Abra um sorriso
Esqueça o juízo
e seja feliz!
Sente-se à mesa
Sirva-se de uma taça
Repita a sobremesa
Mostre a sua raça
Divida o prato com alguém
Pense adiante (e além!)
Brinde a vida com alegria
Não deixe para outro dia
Aqui é o lugar da felicidade
para ser quem se é de verdade
O momento é agora
e o caminho é para frente!
Salvador, hoje e sempre!
Cecília Meireles
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Rodolfo Pamplona Filho
Quem julga quem julga
não sabe julgar
a solidão de quem reflete
sobre o que compromete
o fato do passado,
o reflexo no presente
e a potencialidade para o futuro.
Se não houver razão, morreria de inanição,
Se não houver poesia, enlouqueceria
Se não houver tensão, não haveria tesão
Se não houver paz, seria caro demais…
Conhecer a vida
Compreender as razões
Determinar destinos
é tarefa que exige responsabilidade,
mas decidir de verdade
importa na consciência
de nunca saber a essência
do que ocorreu na realidade.
Salvador, 22 de outubro de 2023, papeando com Chico Gomes.
Cecília Meireles
Dez bailarinas deslizam
por um chão de espelho.
Têm corpos egípcios com placas douradas,
pálpebras azuis e dedos vermelhos.
Levantam véus brancos, de ingênuos aromas,
e dobram amarelos joelhos.
Andam as dez bailarinas
sem voz, em redor das mesas.
Há mãos sobre facas, dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas.
Entre a música e a dança escorre
uma sedosa escada de vileza.
As dez bailarinas avançam
como gafanhotos perdidos.
Avançam, recuam, na sala compacta,
empurrando olhares e arranhando o ruído.
Tão nuas se sentem que já vão cobertas
de imaginários, chorosos vestidos.
A dez bailarinas escondem
nos cílios verdes as pupilas.
Em seus quadris fosforescentes,
passa uma faixa de morte tranqüila.
Como quem leva para a terra um filho morto,
levam seu próprio corpo, que baila e cintila.
Os homens gordos olham com um tédio enorme
as dez bailarinas tão frias.
Pobres serpentes sem luxúria,
que são crianças, durante o dia.
Dez anjos anêmicos, de axilas profundas,
embalsamados de melancolia.
Vão perpassando como dez múmias,
as bailarinas fatigadas.
Ramo de nardos inclinando flores
azuis, brancas, verdes, douradas.
Dez mães chorariam, se vissem
as bailarinas de mãos dadas.
(in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)
Rodolfo Pamplona Filho
A primeira vez
O primeiro olhar
A primeira palavra
A primeira conversa
O primeiro encantamento
O primeiro dia
do resto de nossas vidas...
Gramado, 18 de outubro de 2012, descobrindo uma nova amizade.
Álvaro de Campos
Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados
O esplendor do sentido nenhum da vida...
Toquem num arraial a marcha fúnebre minha!
Quero cessar sem conseqüências...
Quero ir para a morte como para uma festa ao crepúsculo.
Rodolfo Pamplona Filho
Há pacificadores
e
Há os que passam
e ficam as dores...
Salvador, 04 de novembro de 2012.
Álvaro de Campos
Depus a máscara e vi-me ao espelho. —
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha.
Rodolfo Pamplona Filho
Sonhos Mudam
de verdade
Sonhos Mudam
com a idade
Sonhos Mudam
na realidade
Sonhos Mudam
para a eternidade
Rhodes, 26 de setembro de 2012.
Álvaro de Campos
Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda.
Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.
Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos.
Não, não, isso não!
Tudo menos saber o que é o Mistério!
Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas,
Não vos ergais nunca!
O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!
Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada!
A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas.
Não, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;
Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente...
Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?
Não os quero abrir de viver! ó Verdade, esquece-te de mim!
Rodolfo Pamplona Filho
É preciso valorizar
a tentativa,
pois o resultado
nem sempre depende de nós.
É preciso valorizar
a iniciativa,
pois nem todos conseguem
superar a letargia.
É preciso valorizar
o esforço,
pois o suor derramado
nunca voltará ao corpo.
É preciso valorizar
a boa vontade,
pois nem que tudo que se consegue
foi feito de coração.
É preciso valorizar
o cuidado,
pois simplesmente realizar uma tarefa
não é sinônimo de dedicação.
É preciso valorizar
o desprendimento,
pois ninguém é obrigado
a dar um pedaço de si.
Boston, 01 de julho de 2016.
Álvaro de Campos
Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-estar que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.
Quem era? Ora, era quem eu via.
Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.
Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.
Meu coração tem pouca alegria,
E isto diz que é morte aquilo onde estou.
Horror fechado da tabacaria!
Desde ontem a cidade mudou.
Mas ao menos a ele alguém o via,
Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria.
Desde ontem a cidade mudou.
(14-10-1930)
Rodolfo Pamplona Filho
Todo mundo não quer enganar, sim,
Nem todo táxi cobrará mais caro!
Há comidas que não têm gosto ruim
E, na verdade, é a maioria do prato.
E as crianças não ficarão doentes,
pelo menos não necessariamente,
se não comerem toda a comida,
ainda que não imediatamente!
Um sorriso não é uma coisa bem
tão difícil assim de esboçar,
mesmo quando não se tem
tanta prática assim a contar...
Caminhar não é idéia a desprezar,
ainda mais se desperta o apetite,
O planeta é imperfeito para morar,
mas não é assim tão triste...
Sei que parece impossível tentar,
mas consiga um dia sem reclamar
do tempo, da vida, das dores,
que só se sente porque há amores...
Pense que para não enjoar,
basta, por exemplo, variar,
pois não fazer o mesmo sempre
é o inicio de um caminho diferente.
Sei que não é assim para você...
são os outros que vêem equivocado,
mas faça um esforço para perceber
não é lógico todos estarem errados
quando simplesmente têm esperança
que você ache o prazer na dança
de curtir o prazer desta vida breve
pois é preciso viver mais leve...
Buenos Aires, 21 de junho de 2011
Álvaro de Campos
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
Rodolfo Pamplona Filho
Seu cheiro em minha roupa
é a prova mais louca
de um amor real
mas, para muitos, imoral...
Guardo seu cheiro na memória
na esperança que o inesperado
possa mudar a nossa história
e nos dar a esperada vitória
....de um amor pleno,
que, sempre a contento,
cresce e se fortalece....
...de um sentimento sincero,
que, um dia, espero,
possa ser tão público quanto seu perfume.
Praia do Forte, 23 de janeiro de 2011.
Álvaro de Campos
No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.
A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.
Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.
Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.
Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!
Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?
Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal ...
Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.
Há quem
tenha medo
da escuridão!
Eu, não!
A escuridão não me assusta,
pois você é meu farol
em toda bruma
que me encontro...
pois eu te amo...
nenhuma escuridao
vai minar
o meu amor por você,
pois, mesmo nela,
eu enxergo sua alma...
nem a escuridao que,
por vezes, maltrata
e assola nossos pensamentos
vai vencer o que sinto...
pois eu te amo muito...
Nenhuma escuridão
é forte o bastante
para sufocar
o grito da alma...
o clamor do amor...
a intensidade da canção
que vem do coração....
pois eu te amo para sempre....
Salvador, 08 de janeiro de 2011.
Álvaro de Campos
Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.
Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.
Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja
A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura numa catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.
Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.
Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...
Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Meu coração chora
Na sombra dos parques,
Não tem quem o console
Verdadeiramente,
Exceto a própria sombra dos parques
Entrando-me na alma,
Através do pranto.
Dá-me rosas, rosas,
E llrios também...
Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palác ios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Mas por mais rosas e lírios que me dês,
Eu nunca acharei que a vida é bastante.
Faltar-me-á sempre qualquer coisa,
Sobrar-me-á sempre de que desejar,
Como um palco deserto.
Por isso, não te importes com o que eu penso,
E muito embora o que eu te peça
Te pareça que não quer dizer nada,
Minha pobre criança tísica,
Dá-me das tuas rosas e dos teus lírios,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também..
Rodolfo Pamplona Filho
Ainda que divididos pelo Atlântico
e por fusos horários incompatíveis,
o que um sente de um lado,
o outro automaticamente responde.
Se um levanta assustado,
encontrará o outro conectado,
como se a energia gerada
fosse automaticamente repassada.
É realmente impressionante,
como tudo surge em um instante,
permitindo a imediata compreensão
pois o que, para muitos, é acaso,
para mim, é o mais evidente traço
de uma sintonia infalível de paixão.
Pamplona/Espanha, 03 de outubro de 2012.