segunda-feira, 21 de novembro de 2011

UMA LIÇÃO

UMA LIÇÃO: A carta a seguir foi escrita por Ha Minh
Thanh, um imigrante vietnamita que é policial em Fukushima no Japão.
Era endereçada a seu irmão, mas acabou chegando a um jornal em
Shangai que a traduziu e publicou.
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Querido irmão,
Como estão você e sua família? Estes últimos dias tem sido um
verdadeiro caos. Quando fecho meus olhos, vejo cadáveres e quando os
abro, também vejo cadáveres.

Cada um de nós está trabalhando umas 20 horas por dia e mesmo
assim, gostaria que houvesse 48 horas no dia para poder continuar
ajudar e resgatar as pessoas.  Estamos sem água e eletricidade e as
porções de comida estão quase a zero. Mal conseguimos mudar os
refugiados e logo há ordens para mudá-los para outros lugares.
Atualmente estou em Fukushima – a uns 25 quilômetros da usina
nuclear. Tenho tanto a contar que se fosse contar tudo, essa carta se
tornaria um verdadeiro romance sobre relações humanas e
comportamentos durante tempos de crise.  As pessoas aqui permanecem
calmas – seu senso de dignidade e seu comportamento são muito bons
– assim, as coisas não são tão ruins como poderiam. Entretanto,
mais uma semana, não posso garantir que as coisas não cheguem a um
ponto onde não poderemos dar proteção e manter a ordem de forma
apropriada.  Afinal de contas, eles são humanos e quando a fome e a
sede se sobrepõem à dignidade, eles farão o que tiver que ser feito
para conseguir comida e água. O governo está tentando fornecer
suprimentos pelo ar enviando comida e medicamentos, mas é como jogar
um pouco de sal no oceano.   

                                    
Irmão querido, houve um incidente realmente tocante que envolveu um
garotinho japonês que ensinou a um adulto como eu uma lição de como
se comportar como um verdadeiro ser humano.  Ontem à noite fui
enviado para uma escola infantil para ajudar uma organização de
caridade a distribuir comida aos refugiados. Era uma fila muito longa
e notei, no final dela, um garotinho de uns 9 anos que usava uma
camiseta e um short. Estava ficando muito frio e fiquei preocupado se,
ao chegar sua vez, poderia não haver mais comida. Fui falar com ele.
Ele contou que estava na escola quando o terremoto ocorreu. Seu pai,
que trabalhava perto, estava se dirigindo para a escola para
apanhá-lo e ele, que estava no terraço do terceiro andar, viu quando
a onda tsunami levou o carro com seu pai dentro.

                                             

Perguntei sobre sua mãe. Ele disse que sua casa era bem perto da
praia e que sua mãe e sua irmãzinha provavelmente não sobreviveram.
Notei que ele virou a cabeça para limpar uma lágrima quando
perguntei sobre sua família. O garoto estava tremendo. Tirei minha
jaqueta de policial e coloquei sobre ele. Foi ai que a minha bolsa de
bentô (comida) caiu. Peguei-a e dei-a a ele dizendo: “Quando chegar
a sua vez a comida pode ter acabado. Assim, aqui está a minha
porção. Eu já comi. Por que você não come”?  Ele pegou a minha
comida e fez uma reverência. Pensei que ele iria comer imediatamente,
mas ele não o fez. Pegou a comida, foi até o início da fila e
colocou-a onde todas as outras comidas estavam esperando para serem
distribuídas.  Fiquei chocado. Perguntei-lhe por que ele não havia
comido ao invés de colocar a comida na pilha de comida para
distribuição. Ele respondeu: “Porque vejo pessoas com mais fome
que eu. Se eu colocar a comida lá, eles irão distribuí-la mais
igualmente”.  Quando ouvi aquilo, me virei para que as pessoas não
me vissem chorar.  Uma sociedade que pode produzir uma pessoa de 9
anos que compreende o conceito de sacrifício para o bem maior deve
ser uma grande sociedade, um grande povo.  Bem, envie minhas
saudações à sua família. Tenho que ir, meu plantão já começou.
Ha Minh Thanh
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