SOMOS UMA ILHA?
Ilha: extensão de terra cercada de água por todos os lados. Engraçado, essa palavra despertou em mim algumas reflexões hoje, depois de assistir a um filme em que um dos protagonistas sustentava a tese de que era seu direito viver como uma ilha, porque ele não conseguia se enxergar desprendido do conceito que define esse elemento geográfico, pois ele se identificava, na essência, com a própria forma de ser daquela realidade. Fui obrigada a concordar com ele, mas só em termos. Somos seres únicos, individuais, insubstituíveis, inigualáveis, enfim, com identidade exclusiva (redundante, mas verdadeiro). Ninguém pode viver minha vida por mim, sentir por mim, amar por mim, querer por mim, sofrer por mim, alegrar-se por mim, chorar por mim, decepcionar-se por mim, vencer por mim, envolver-se por mim, morrer por mim (não em meu lugar). Até meu próprio corpo é só meu. Eu sou aquilo que sou e também sou aquilo que é o contrário do que sou. Não ser também é uma forma de ser. Tudo isso me pertence e é intransferível e indivisível. Neste aspecto ele tem razão. Aliás, isso é tão absolutamente concreto quanto a existência física de uma ilha. Mas a grande pergunta que se fazia àquele personagem, nas entrelinhas das tramas do filme, era se ele deveria viver como uma ilha. Há diferença, não? Ser como e viver como. Nisso reside o conflito: do que se é na essência (é verdade, somos uma ilha, somos nós mesmos e não o outro e nunca seremos o outro. Somos quem somos!) e do que se quer e pode ser (podemos ser uma ilha, mas as águas nos circundam e nos tocam, num tangenciamento inexorável). Parece filosófico e é, mas é uma pergunta que não deve ficar apenas no plano das idéias. Ela precisa ser respondida a cada dia, pois definir se queremos viver como uma ilha, porque realmente somos uma, em nossa essência, ou se queremos viver no verdadeiro interagir com o outro, faz toda a diferença. Interagir, palavra chave que quebra a concretude de nossa individualidade. Ela nos tira de nós mesmos e nos faz ir ao encontro do outro. Interagir: exercer interação - ação ou influência mútua entre coisas ou pessoas. Melhor do que a interação, creio, é a comunhão: viver com o outro em torno de idéias, crenças, projetos, desejos. O outro constrói com você o que ambos querem ser. Meu querer não é só meu querer, é também o querer do outro. São ambos querendo juntos. São ambos sendo juntos. São as individualidades se externando para se tornarem, ambas, uma só. Como conceber um indivíduo sendo dois? Pela comunhão, que é uma simbiose que se forma do desejo de não querer ser apenas uma ilha. No entanto, essa comunhão não é absoluta. E não poderia ser diferente! Há territórios que precisam ser só meus e há territórios que precisam ser só do outro, porque diz respeito a nossa própria essência. No fundo, não é possível deixar de ser quem somos: de onde e de quem viemos, o que vivemos, a nossa história. Podemos ser com o outro o que se pode ser juntos, mas não se pode ser com o outro o que só ele pode ser ou o que só eu posso ser. Para ser com o outro, antes de tudo é preciso ser comigo mesmo. Não dá pra ser verdadeiramente com o outro, ou viver a comunhão com o outro, sem antes sabermos quem somos verdadeiramente. Quem sou eu? No fundo esta é a grande pergunta, para qual não há uma resposta pronta e acabada, mas intermináveis descobertas, intermináveis respostas, que somadas vão nos revelando. Nosso grande problema é que não nos perguntamos quem somos, mas deixamos que o outro diga quem somos e nos preocupamos apenas com que o outro quer que sejamos. E neste processo vivemos sem ser a ilha que somos e precisamos ser, e interagimos com o outro sem viver a comunhão, porque não sabemos quem realmente somos. Descobrir quem somos e dizer ao outro quem somos, e deixar que o outro também se revele a nós sendo quem ele é, é condição para chegarmos aquilo a que todos nós aspiramos e queremos e que é vontade de Deus: a felicidade.
ANDRÉIA LUÍSA
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