Alberto Saraiva
Um namoro começa por dois olhares que se encontram. De repente, não mais que de repente, a visão do outro traz um cadinho de sentimentos e desejos ocultos, alguns acalentados, outros que a gente já tinha como perdidos. Eles vêm, afloram em um sorriso, transmudam-se no toque, revelam-se no cheiro que vem do outro - um cheiro bom que só poderia vir de alguém que já nos queria, antes mesmo de nos conhecer. Um namoro nasce de um abraço. O encontro dos corpos vem confirmar o que os olhos, diligentemente, já tinham pressentido.
O abraço se apresenta como uma promessa que vai precisar de muitas horas, muitos dias e muitas noites, muitas semanas e meses e anos para que seja reafirmada, renovada, requalificada, cuidada, realimentada. Um abraço é assim como uma promessa aos deuses que protegem os enamorados. E fazem deles dois entes divinizados, que têm o poder de parar o tempo, desafiar a lei da gravidade - como nos sentimos leves! - e revogar a relatividade: nos torna seres absolutos, capazes de criar momentos únicos, justo por estar com uma pessoa que o sentimento fez única.
Um beijo sela um namoro. É como se fôssemos dois papéis, meros rascunhos de nossas vidas, que precisam ser reconhecidos em um cartório que atesta que somos capazes de amar e que estamos aptos para tanto. O beijo é um carimbo aposto em nós por alguém que tem a propriedade de fazê-lo, porque também cuidou da sua capacidade de amar e de se entregar a outrem. E faz isso através de uma assinatura labial carregada de emoção e desejos, que são o mapa do caminho que está por vir - um caminho para ser trilhado a dois, com incidentes e acidentes de percurso, é verdade, mas que sempre terá coisas boas para se olhar em volta, de fazer-nos voltar o olhar para ver a marca das nossas pegadas, ou de olhar pra frente, para melhor escolher o que o trajeto nos apresenta.
A admiração nos ensina um outro caminho: o da adoração. Como é bom, como faz bem, adorar a mulher que está ao nosso lado, sentir o quanto é bom tê-la e vê-la andando como se dançasse; dançando como se isso fosse tão normal quanto andar; conversando, sorrindo, com roupa, com quase nenhuma roupa, sem roupa. Falando ao telefone, trabalhando, malhando, lendo, deixando-se enlevar por uma música, fazendo um brinde com um olhar - que brilha sem que nenhuma luz externa precise estar refletido nele. O brilho da estrela que ali está surge por mágica, porque mágico é o momento. E esse ser adorado ainda acha tempo entre uma coisa e outra para nos lançar olhares que nos remetem ao primeiro, aquele que nos ligou, lá no princípio de tudo - e aí o princípio não era o verbo: era o olhar. E um tempo que não pode ser medido transcorreu entre o primeiro olhar e a primeira palavra trocada.
Mas essa mulher faz mais ainda: passa de passagem e nos dá um beijinho, que tem um jeito de roubado, que tem muito da inocência recuperada para que seja novamente perdida quando nossos corpos famintos se encontrarem novamente.
O carinho tem o poder de fazer com que nossa pele se estenda até a totalidade da pele do outro. E que se acostume a essa amplitude recém-adquirida. Sem ela, nossa pele fica fria, como que abandonada, carente. É uma saudade constante, uma dependência saudável, doce droga que nos faz produzir as endorfinas do estar bem. Mas quem entende de produção de endorfinas que só fazem bem é um cara conhecido como sexo.
O sexo... há um tipo superior de sexo: o que é feito com amor.
Que maravilha quando esse tipo de sexo já é nosso velho conhecido. Quando a gente o sente, o reconhece de imediato.
E o amor? Ah, o amor é tudo isso e muito mais. Senti-lo chegar é realizar um desejo, tê-lo é viver um sonho, perdê-lo é dor que não passa.
Uma pequena ausência de quem se ama lhe dá uma pequena amostra disso. As horas se alongam, as coisas não se encaixam, o dia não tem sentido, a vida parece sem razão... Você anda meio sem rumo, tendo como combustível a saudade. E como este combustível é ruim: não tem a octanagem necessária para lhe dar arranque; torna seus passos curtos, não lhe levando muito longe; sua autonomia fica restrita a ir de uma lembrança a outra, de um sorriso ou outro, ao lembrar daquele sorriso; de rever imagens que perspassam pela sua memória. E faz evaporar a vontade de fazer coisas que não sejam pensar no outro.
Mas aí você se diz que ter aquele alguém como seu é a prova de que é capaz, sim, de conquistar aquela mulher maravilhosa, jeito de criança, corpo de deusa, braços que te enlaçam, pernas que parecem esculpidas, fêmea que te leva ao cio. Uma cabeça de mulher completa, que você pretende manter sempre ligada em você. Porque você a ama.
Então você pega o telefone e liga pra ela, para dizer justamente que a ama. Nada mais do que isso. Não, na verdade você vai dizer mais uma coisa: que vocês têm tudo, todos os componentes necessários,suficientes, importantes e indispensáveis para que sejam eternos namorados.
Alberto Saraiva
Agosto de 2007
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