sábado, 30 de novembro de 2013

Herança Poética


Herança Poética

Rodolfo Pamplona Filho
O que normalmente se espera
é deixar para a posteridade
apenas o melhor de sua vida
ou de tudo aquilo que se produziu,
construiu, ganhou ou compôs!
Na prática, porém,
a vida não é assim...
Deixa-se o que se tem,
o que se é
e o que se fez...
E eu não quero esconder
aquilo que, um dia, resolvi escrever,
como se eu somente criasse
pérolas ou obras-primas,
e não, como de fato,
textos produzidos pelo impacto
de momentos de sofrimento,
alegria ou mera constatação.
Se, sobre tudo, eu poetizo,
por que restringir o acesso
ou o conhecimento
a quem demonstrou algum interesse
de conhecer um pouco
(ou boa parte do todo)
do que eu sou (ou imagino ser...).
Minha herança poética
não será lapidada,
como se fosse possível
controlar a imagem
que se faz de minha história,
mas, sim, será apenas transparente,
para que quem realmente
entenda o que eu quis dizer
possa efetivamente saber
tudo aquilo que, um dia,
eu pretendi simplesmente ser
(ou pensei poder ser...)

Rhodes/Grécia, 26 de setembro de 2012.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

NO POEMA



NO POEMA

No poema ficou o fogo mais secreto
O intenso fogo devorador das coisas
Que esteve sempre muito longe e muito perto.


Sophia de Mello Breyner Andresen (6/11/1919-2/7/2004)

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A Arte Milenar do Circo


A Arte Milenar do Circo

Rodolfo Pamplona Filho
Mais do que contato ter
com uma milenar arte,
conhecer o circo é
Entusiasmar-se
Encantar-se
Deslumbrar-se
Viver uma magia
que não se vê todo dia
e cujo encantamento,
por mais tempo que passe,
não cairá no esquecimento...


Salvador, 23 de outubro de 2012,
na primeira vez de Rodolfinho no circo...

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Religião X Espiritualidade

"Não leia com o intuito de contradizer ou refutar, nem para acreditar ou concordar, tampouco para ter o que conversar, mas para refletir e avaliar".        
(Sir Francis Bacon) 
Texto é do Prof. Dr. Guido Nunes Lopes, Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Física pela Universidade Federal do Amazonas (FUAM, 1986), Mestrado em Física Básica pelo Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IF São Carlos, 1988) e Doutorado em Ciências em Energia Nuclear na Agricultura pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA, 2001).

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A religião não é apenas uma, são centenas.
A espiritualidade é apenas uma.
A religião é para os que dormem.
A espiritualidade é para os que estão despertos.

A religião é para aqueles que necessitam que alguém lhes diga o que fazer e querem ser guiados.
A espiritualidade é para os que prestam atenção à sua Voz Interior.
A religião tem um conjunto de regras dogmáticas.
A espiritualidade te convida a raciocinar sobre tudo, a questionar tudo.

A religião ameaça e amedronta.
A espiritualidade lhe dá Paz Interior.
A religião fala de pecado e de culpa.
A espiritualidade lhe diz: "aprenda com o erro"..

A religião reprime tudo, te faz falso.
A espiritualidade transcende tudo, te faz verdadeiro!
A religião não é Deus.
A espiritualidade é Tudo e, portanto é Deus.

A religião inventa.
A espiritualidade descobre.
A religião não indaga nem questiona.
A espiritualidade questiona tudo.

A religião é humana, é uma organização com regras.
A espiritualidade é Divina, sem regras.
A religião é causa de divisões.
A espiritualidade é causa de União.

A religião lhe busca para que acredite.
A espiritualidade você tem que buscá-la.
A religião segue os preceitos de um livro sagrado.
A espiritualidade busca o sagrado em todos os livros.

A religião se alimenta do medo.
A espiritualidade se alimenta na Confiança e na Fé.
A religião faz viver no pensamento.
A espiritualidade faz Viver na Consciência..

A religião se ocupa com fazer.
A espiritualidade se ocupa com Ser.
A religião alimenta o ego.
A espiritualidade nos faz Transcender.

A religião nos faz renunciar ao mundo.
A espiritualidade nos faz viver em Deus, não renunciar a Ele.
A religião é adoração.
A espiritualidade é Meditação.

A religião sonha com a glória e com o paraíso.
A espiritualidade nos faz viver a glória e o paraíso aqui e agora.
A religião vive no passado e no futuro.
A espiritualidade vive no presente.

A religião enclausura nossa memória.
A espiritualidade liberta nossa Consciência.
A religião crê na vida eterna.
A espiritualidade nos faz consciente da vida eterna.

A religião promete para depois da morte.
A espiritualidade é encontrar Deus em Nosso Interior durante a vida.

"Não somos seres humanos passando por uma experiência espiritual... Somos seres espirituais passando por uma experiência humana... "

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Primeiro Contato


Primeiro Contato

Rodolfo Pamplona Filho
A primeira vez
O primeiro olhar
A primeira palavra
A primeira conversa
O primeiro encantamento
O primeiro dia
do resto de nossas vidas...

Gramado, 18 de outubro de 2012, descobrindo uma nova amizade.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Porque


Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

                      Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 24 de novembro de 2013

Necessidade de Reclamar


Necessidade de Reclamar

Rodolfo Pamplona Filho
Há indivíduos que
mal comem feijão com arroz
e querem questionar
a qualidade do champagne...
Pessoas que não sabem distinguir
um idioma de um dialeto,
um prato de um lanche
ou uma casa de um lar
e querem posar para a sociedade
como sacerdotes do culto,
vestais do templo
ou oráculos da verdade...
Pobres diabos,
eles não sabem
o que fazem, pois
sua vontade de viver
se confunde com
sua necessidade de reclamar...

Pamplona/Espanha, 03 de outubro de 2012.

sábado, 23 de novembro de 2013

As Sem - Razões do Amor


As Sem - Razões do Amor

Carlos Drummond de Andrade

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
E nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
E com amor não se paga.
Amor é dado de graça
É semeado no vento,
Na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
E a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
Bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
Não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
Feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
E da morte vencedor,
Por mais que o matem (e matam)
A cada instante de amor.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Descoberta da Paternidade (Soneto)

Descoberta da Paternidade (Soneto)

Rodolfo Pamplona Filho
Um dia, tem-se a oportunidade
de finalmente aprender
qual é, na realidade,
a sensação de nada poder.

Sobre o tema, todo chavão
ou o mais conhecido bordão
sempre soará verdadeiro
diante da sensação de desespero

Tudo isso se dá
pelo imenso prazer
que a nova vida pode trazer,

só de imaginar
a mais pura felicidade,
que é a descoberta da paternidade.

Salvador, 07 de janeiro de 2012,
um sábado de noite,
no cinema com filhos e sobrinhos,
pensando no amigo-irmão Pablo Stolze Gagliano.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Saudade


Saudade

Rodolfo Pamplona Filho
Parece doença...
Parece tristeza...
Parece dor no peito...
Parece desespero...
Parece depressão,
mas é só saudade...

Gramado, 18 de outubro de 2012.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O rosto sem face


O rosto sem face


Aquele era sim o seu rosto, mas não sua face. Não saberia explicar o paradoxo não fosse o álibi inquestionável da ciência. Mas ela estava ali, prostrada e, diante do espelho, a busca pela identidade só encontrava sossego diante do conhecido e atordoado olhar. Não, não haveria perguntas. O silêncio seria a única possível manifestação humana diante de tão grandioso mistério. O chamado do outro tardaria, e o seu próprio chamado não iria se fazer mais cedo. Será possível que ninguém a reconheceria? Teria ela de contar e recontar sua história, de mergulhar mais uma vez em todas as dores, alegrias e amores para descobrir a si mesma uma vez mais em seu ser. Não, isso não era justo. Não era possível, crível... não era... nada!

Nada! Que estranho sentido esta palavra agora adquiria. Jamais pensara que nada pudesse significar tanto. Causar tanto pânico, transtorno... e conforto. Nada. O que seria? Quem seria? Nada sou eu? – perguntava-se a criatura desconsolada. Sem memória, sem história, sem espelho! Sem o olhar do outro que refletisse o seu próprio a lhe mostrar o que se reconhece – e é bem verdade, o que se desconhece, se recusa e se nega também.

De repente, uma forte batida na porta faz cessar todo o monólogo existencial-metafísico.
- São os fotógrafos da revista! Estão esperando lá embaixo, a empregada lhe grita do corredor. Ela então mais uma vez fecha os olhos, num rito quase-fúnebre de quem cerra os olhos para morrer. Sabia que a partir dali não haveria mais espelhos, apenas câmeras e flashs a registrar o belíssimo rosto cuja face consistia em ser nada.


--
 
 
 
Fernando Armando Ribeiro

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Escravas Sagradas de Korinthio


Escravas Sagradas de Korinthio

Rodolfo Pamplona Filho
No encontro entre o Egeu e o Jônico
e de dois portos importantes,
encontra-se a cidade
que não conhecia o amor

No culto à Afrodite,
entregam-se mais do que primícias,
pois é o próprio corpo o objeto
do contato, do negócio e do prazer,

proporcionando conforto e alento
a quem vem de muito longe
e não sente há muito mais

o contato com a pele aveludada
em que o sentimento é nada,
mas a entrega e satisfação totais.

Na estrada de Korinthio para Atenas, 29 de setembro de 2012.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O tempo - Mário Quintana


"O tempo - Mário Quintana

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará."

domingo, 17 de novembro de 2013

Pontualidade


Pontualidade

Rodolfo Pamplona Filho
Achar natural
que outros esperem,
ainda que alguns segundos,
fazer algo que
só interessa a você
é o cúmulo da cara-de-pau
com a falta de noção...
E o pior de tudo
é quando se pede
que tenham consciência
para respeitar
o que só lhe interessa,
seja o embarque
(ou desembarque)
de alguém
ou mesmo
que algo ocorra
como se fosse
a mais importante
de todo o universo.
Como não se irritar
com as desculpas
ou justificativas
para seu atraso?
Ver rostos contritos,
olhos de gato de botas
ou um ar indignado
de quem foi vítima,
e não a causa
do irritante atraso
que prejudica todo mundo,
até mesmo a si...
E quem ousa reclamar,
deixando o silêncio conveniente,
para ser descrito
como um sujeito paranóico,
estressado ou simplesmente chato,
que fica inventando caso
ou querendo aparecer...
Pontualidade é respeito
ao tempo alheio!
E ponto!

Atenas, 29 de setembro de 2012.

sábado, 16 de novembro de 2013

MATEMÁTICA DO AMOR


MATEMÁTICA DO AMOR
* Marco Mendes
 
 

Na mansidão,
Se deram as mãos.
Entre olhares
Invadiram-se,
Chegaram ao coração.
Dividiram-se,
Somaram-se,
Multiplicaram
Até chegar a três.
No quarto se abraçaram,
Até chegarem aos oitenta.
Um deles se foi,
O outro chegou aos noventa.
Ao infinito entregaram-se,
E viveram eternamente juntos.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Gerúndio


Gerúndio

Rodolfo Pamplona Filho
Eu não quero ser
um projeto acabado.
Eu estou a viver.
Eu estou vivendo.
Hoje e Sempre...

Atenas, 29 de setembro de 2012.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

As escolhas da vida


As escolhas da vida
João Vitor Alves

Seguir em frente ou olhar para trás...
Viver do tudo ou do “tanto faz”...
Ir além ou permanecer aquém...
Essas escolhas cabem a alguém?

Certo ou errado...
Inocente ou culpado...
Coerente ou incoerente...
Uma questão de crença ou do consciente?

Há quem busque um exemplo,
Um modelo de perfeição,
Seria essa a solução?

Viver bem,
Amar e ser amado,
Se encontrar em alguém,
Superar o já alcançado.

Ajudar outro ser humano,
Melhorar a cada dia,
Entre o sagrado e o profano,
Viver a vida com sabedoria.

Cada pergunta tem a sua resposta,
A vida ensina a encontrar o caminho...
Faça a sua aposta!

Nas escolhas da vida,
Semeie o que almeja...
Plante o que deseja...
Colha a sua escolha!

Salvador, 11 de Setembro de 2012.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Reconstruindo a História


Reconstruindo a História

Rodolfo Pamplona Filho
Desde a supressão
de um personagem
em Guerras Secretas
até a retirada de fotos
de um mural institucional,
passando pela defesa
da concepção imaculada
(e da permanência virginal,
mesmo após o parto
e com a continuidade
da vida conjugal...),
tudo pode ser visto
ou revisto,
sob a ótica,
a filosofia
e a ideologia
de quem conta
a história...
Assim, fica fácil
falar dos mistérios da fé
ou de eleições com
votos de sangue
ou 100% de aprovação...
E quando se percebe
a profunda manipulação,
surge a reforma,
a contra-reforma,
a marcha de protesto
ou a primavera árabe,
em que quem
não está acostumado
a ser sequer contestado
tem de ser confrontado
com sua situação
de ditador de plantão,
mesmo sem clara intenção
de se tornar seu próprio
objeto de adoração.

Madrid, 01 de outubro de 2012.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES


P A R T E      E S P E C I A L
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DAS MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES
DAS OBRIGAÇÕES DE DAR
Das Obrigações de Dar Coisa Certa
Antes de adentrar ao tema[1]
Devo primeiro falar
Do instituto obrigação
Para depois comentar
Vindo artigo por artigo
Desta forma analisar.
Segundo informa a doutrina
Que acabei de estudar
A obrigação é um vínculo
Que vem a  se fixar
Entre duas ou mais pessoas
Como estou a comentar.
Em virtude desse vínculo
Surge uma obrigação
E esta vem dar origem
Ao que chamo prestação
Entre pessoas capazes
Dentro de uma relação.
Pode ela ser econômica
Também patrimonial
E no campo do direito
Pode também ser moral
Cada caso é um caso
Nos diz a regra legal.
Pode também ser ativa
Ou passiva na ação
É ativa quando a parte
Recebe a obrigação
E passiva é a outra
Que cumpre a obrigação
Quanto a classificação
Podem subdividir
Em relação ao sujeito
Que está a interagir
Ou quanto ao objeto
Que a mesma perquirir
Quanto ao sujeito ela é
Conjunta ou fracioncionária
Como  também pode ser
Disjuntiva ou solidária
E  ainda dependente
Conexa ou unitaria.
agora quanto ao objeto
pode ser alternativa
divisível e indivisível
e também cumulativa
como ser obrigatória
e até facultativa.
Esclarecido o tema
Passo agora comentar
Vindo artigo por artigo
Da mesma forma estudar
Assim como antes fiz
Vindo os mesmos rimar.
           Dimas Terra de Oliveira Terra <dimas_terra@yahoo.com.br>


[1] In obrigações, Orlando, Gomes, 8 Ed.Forense, 1986, pág.67.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Sagapo


Sagapo

Rodolfo Pamplona Filho
Kalimera,
agapi mou!
Giassou,
minha Athenea!
Deixe-me ser seu Colosso,
parakalo,
procurar suas curvas
e cavernas de Santorini...
Fugirei para Patmos,
pregarei em Éfeso
e sonharei em Mikonos.
Quero ser sua Acrópole,
matando o minotauro em Creta
seemera et avrio.
Seja a minha forma clássica:
dórica, jônica ou korinthia...
Sagapo, meu Parthenon!
Se me fascinam
as mulheres de Atenas,
da vida, eu quero
somente você apenas.

Atenas/Grécia, 29 de setembro de 2012.

domingo, 10 de novembro de 2013

O JORNALISTA E O ELEITOR

O JORNALISTA E O ELEITOR

Texto coletivo. Autores: Regina Giraldi, Marco Mendes, Maura Krasucki Alencar, Maria Emília Tenório Arruda, Itamar Rabelo.

Fonte: www.Jornaletes.blogspot.com



ilustração conto jornalista
- Serve falar que fui fechado num gargalo de avenida por um carro de propaganda política? Estou quase detonando o candidato. Comentou o eleitor.
- É... política é assim mesmo. Sem governo!!! Risco de colisão a todo instante. Afirmou o jornalista.
- Desde que não atinja terceiros, tudo bem.
- Não atingem terceiros não... atingem primeiros, segundos, terceiros, quartos, quintos... Ninguém escapa da direção perigosa.
- O pior é que é verdade... Ninguém escapa de um barbeiro. Político é tudo igual. Fogo é escolher em quem votar! Nenhum político é o ideal, esse é o problema. Como resolvê-lo? Respondeu o eleitor indignado.
- Há problemas na vida que não tem solução! A solução é buscar uma nova maneira de viver. Mudança de planos! Se tiver um problema a resolver não arrume outro, pois aí terá dois problemas. A solução depende dos instrumentos de que dispomos. Faça o melhor que puder, com os instrumentos de que dispõe. Aconselhou o jornalista.
- Mas “vamo que vamo”, um voto a menos na eleição. Disse o eleitor orgulhoso, sentindo o poder do voto em suas mãos.
- Outro dia, um desses políticos compareceu ao jornal. Pediu que publicassemos uma boa matéria a seu respeito. Disse que valia publicar um parágrafo sobre “qualquer sabedoria”... ainda que barata. Disse que no jornal transformamos pedregulho em diamante!!! Dá prá acreditar? Um patife, que infelizmente ajuda sustentar o jornal. Vivemos do lixo, da morte, da doença, da corrupção. O homem é mesmo o lobo do homem.
- É amigo, sabedoria não deve ser confundida com inteligência, esperteza, astúcia e principalmente com aquele que, em nossa sociedade altamente desigual, foi privilegiado pela oportunidade de adquirir conhecimentos, dedicando-se mais aos estudos. Ponderou o eleitor.
- Muitas vezes nos deparamos com pessoas iletradas que sabem contornar, enfrentar e superar as vicissitudes que se apresentam, em virtude de experiências vividas e com base no senso comum, com maior eficiência do que muitos "doutos". Isso nos leva num primeiro momento, a considerar como forma de sapiência, o saber viver... No entanto, outra pergunta se apresenta: o que é saber viver?
- Existem dois tipos de sabedoria. A sabedoria inferior é dada pelo quanto a pessoa sabe e a superior é dada pelo quanto ela tem de consciência de que nada sabe.
- Hummm... pensamento socrático...
- Há pessoas que desejam saber só por saber - isso é curiosidade; outras, para alcançarem a fama...  isso é vaidade. Outras, para enriquecerem com a sua ciência...  isso é um negócio torpe. Outras, para serem edificadas... isso é prudência. Há também quem a utilize para edificar os outros... isso é caridade, o que deveria ser o centro das ações sociais.
- Utilizar o conhecimento e a sabedoria para o bem do povo, isso sim é que é política! O resto é direção perigosa mesmo! Arrematou com verborragia o eleitor.
- Amigo, isso dá uma ótima notícia, mas infelizmente os políticos sabem que não dá voto. Exclamou o jornalista.
- Eu estou por aqui com esses candidatos. Cheguei ao cume! Agora me sinto um caminhão sem breque, montanha abaixo.
- A vaidade impera na política. Construção de praças, jardins, campos de futebol. Nada de escola, hospitais, saneamento básico. Precisamos de pessoas sábias no governo e não vaidosos. Dizia o indignado eleitor.
- Diz o salmista: "vaidade das vaidades, tudo é vaidade!" Será?
- As cidades precisam de praças e jardins para que fiquem bonitas e agradáveis. Onde afinal começa e termina a busca pela beleza e a busca pela vaidade? Perguntou o jornalista.
- A beleza está no ser...
- Agora estou aqui “caraminholando” para buscar inspiração e dar minha contribuição, mas minha "sabedoria" (ou seria o bom senso funcionando?) tem me censurado... Seria a censura um tiquinho de sabedoria? O mais sábio seria, talvez, silenciar? Voto em branco?  Perguntou o eleitor.
- Concordo que às vezes silenciar é uma forma intrigante de sabedoria. Penso, no entanto, que há formas e formas de silêncio bem como de manifestação. Um gesto de carinho vale mais do que mil palavras. Um olhar, um sorriso, uma atenção são formas explícitas de amor para com o povo.  Amar é ter atitude!! Afirmou o jornalista.
- Eu sou mesmo pavio curto. Perdoe meu lado Gregório de Matos ou Boccage... Sou incorrigível!! Quando menos espero já saiu besteira da minha boca... Eu deveria andar com uma plaqueta no peito escrito: Atenção! Proibido para menores! Esbravejou o eleitor.
- Você está certo. Também acredito que se não partirmos do amor por nós mesmos, não saberemos nunca amar ao próximo.
- A propósito, você já recebeu a última edição do jornal?
- Não. Ainda não! Você está parecendo político, promete mas não cumpre... hahahah. Ironizou o eleitor.
- Vou trucidar o Rabelo... Ele afirmou que já tinha etiquetado e enviado, lembra?...ele vai ver só... heheheeheheeh... Respondeu o jornalista.
- Ora, ora. Vamos dar um crédito ao Rabelo. É cansaço.  Ele trabalha demais. Me disse várias vezes: “minha terça-feira é complicada”. O cansaço o levou para o descanso no colchão.  O atraso está justificado. Amenizou o eleitor, amigo de Rabelo.
- E essa população que não consegue ver o que está acontecendo. Tem o poder nas mãos e sempre elege os corruptos! Prosseguiu o eleitor indignado.
- O mais medonho olhar é daquele que não quer ver. Estão de olhos bem abertos. O problema é que a política nesse país é uma caixa preta. É como a noite! Corroborou o jornalista.
- Desde quando olhos abertos significam enxergar. Conheço coruja cega que vê muito melhor dos que as que possuem visão noturna... Arre!! Há uma distância enorme entre olhar e ver. Só vemos quando nos despimos de interferências, pré-conceitos.
- Até pouco tempo atrás eu pensei que eu estava vendo as coisas... mas descobri que só estou olhando... ver é mais profundo, né?
- Bueno, eu penso que sim. Aceito controvérsias... O essencial é invisível aos olhos. Proferiu o jornalista.
- Isso é o mesmo que as aparências enganam? Perguntou o eleitor.
- Mais ou menos... as aparências só enganam aqueles que não procuram o essencial, que é invisível aos olhos...
- Falar em ver o essencial, o que os políticos mais temem num debate é não ter respostas. Disse o eleitor.
- Pois é. O que o medo nos faz! Faz-nos ver da vida um jogo, um duelo. Tememos não ter respostas e é tão humano não ter respostas. O essencial é ser humano. Respondeu o sensato jornalista.
- Eu pergunto aquilo que não sei ou sobre aquilo que tenho dúvidas. Por isso você percebeu que eu pergunto bastante. Nada sei e tenho dúvidas de tudo... hahaha. Eu não temo não ter respostas... aliás, não dou muito bola para isso. O meu maior temor é ficar um dia sem fazer perguntas. Brincou o eleitor.
- E para que fazer perguntas se não dá bola para respostas? Perguntou o jornalista.
- Eu disse que não dou bola para o fato de não saber responder... Para as perguntas que faço para buscar nortear meu caminho, dou bola para as diferentes respostas. Fico com aquelas que apresentam as consequências da escolha inevitável, entendeu?
- Com essa língua preta, ainda vou arder no mármore do inferno... Tô ferrado mesmo! Quem sabe Deus tenha compaixão desta pobre alma e resolva perder o livrinho Dele... assim espero, amém. Só tenho um consolo, caso isso não aconteça... Encontrarei muitos amigos no fogo eterno... hahahah. Prosseguiu o eleitor.
- Todos advogados com certeza... hahahahhah!!!!!! Satirizou o jornalista.
- Meus amigos advogados estarão no purgatório, negociando a passagem de alguns amigos magistrados... hahahah Ironizou mais uma vez o eleitor.
- Cuidado com o Juiz dos Juízes... Ele pode escutar!!!!
- Ele é pai... De pai não tenho medo. Respeito o meu e o dos outros.
- Agora vou, mesmo. “Basnoites”. To indo, mas continue perguntando, para que suas perguntas encontraremos as respostas.
- Vou me despedindo, também. Boa noite, adorei o papo, como sempre... inté.
E se foram, cada um para o seu lado. Um com as respostas, outro com as perguntas. Afinal, em meio à política, perguntas e respostas nunca cruzam caminhos. Quando vem a pergunta, foge a resposta. Quando a resposta é certeira... a pergunta já é outra...

sábado, 9 de novembro de 2013

Medicina


Medicina

Rodolfo Pamplona Filho
É no Santuário de Sculapio,
em que Hipócrates separou
o Logos da Cega Crença,
que se depositam as esperanças
de quem ainda crê em salvação,
não da alma perdida ou maltratada,
mas, sim, do corpo massacrado,
entregue às intempéries da saudade,
no sofrimento da enfermidade.
Não se sabe quem cura:
se Deus ou a mão do homem...
Isto pouco importa para quem busca
a retomada do vigor,
o reencontro do calor
e a superação do torpor
do sofrimento e da dor.

Atenas/Grécia, 29 de setembro de 2012, pensando no Templo de Sculapio.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

EX-AMÉLIA


noivo escreveu um poema pra noiva um pouco antes do casamento:

Que feliz sou eu, meu amor!.*
Já, já estaremos casados.*
O café da manhã na cama.*
Um bom suco e um pão torrado.*

Com ovos bem mexidinhos.*
Tudo pronto bem cedinho.*
Depois irei para o trabalho.*
E você para o mercado.*

Daí você corre pra casa.*
Rapidinho arruma tudo.*
E corre pro seu trabalho.*
Para começar o seu turno.*
Você sabe que de noite.*
Gosto de jantar bem cedo.*
De ver você bem bonita.*
Alegre e sorridente.*

Pela noite minisséries.*
Cineminha bem barato.*
Nada, nada de shoppings.*
Nem de restaurantes caros.*

Você vai cozinhar pra mim.*
Comidinhas bem caseiras.*
Pois não sou dessas pessoas.*
Que gosta de comer besteiras....*

Você não acha, querida.*
Que esses dias serão gloriosos?.*
Não se esqueça, meu amor.*
Que logo seremos esposos!.*


Como resposta, a noiva escreveu um poema: Resposta para o noivo:
        Que sincero meu amor!.*
        Que oportunas tuas palavras!.*
        Esperas tanto de mim.*
        Que me sinto intimidada.*

Não sei fazer ovo mexido.*
Como sua mãe adorada.*
Meu pão torrado se queima.*
De cozinha não sei nada!.*

Gosto muito de dormir.*
Até tarde, relaxada.*
Ir ao shopping fazer compras.*
Com o Visa tarja dourada.*

Sair com minhas amigas.*
Comprar só roupa de marca.*
Sapatos só exclusivos.*
E as lingeries mais caras.*

Pense bem, que ainda há tempo.*
A igreja não está paga.*
Eu devolvo meu vestido.*
E você seu terno de gala.*

E domingo bem cedinho.*
Prá começar a semana.*
Ponha aviso num jornal.*
Com letras bem destacadas:

HOMEM JOVEM E BONITO.*
PROCURA ESCRAVA BEM LERDA.*
PORQUE SUA EX-FUTURA ESPOSA.*
MANDOU  ELE  À  MERDA!.*

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Soneto sobre a Razão das Olimpíadas


Soneto sobre a Razão das Olimpíadas

Rodolfo Pamplona Filho
No originário Culto a Zeus,
celebram a paz, deístas e ateus,
já que, para livremente lutar,
é preciso tranquilamente descansar

Assim, pode-se concentrar
somente  no que interessa,
não tendo stress ou pressa
do objeto efetivo realizar

As olimpíadas são muito mais
do que uma reunião de atletas reais:
são a oportunidade de visualizar

que se o homem tentar
pode conseguir conviver
e não precisa mais se esconder

Miceas/Grécia, 29 de setembro de 2012.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Palavra que sonha


Palavra que sonha 

Esqueceu de sonhar?
Acorda.
Despertar já não pode?
Encanta-te.
Não mais sente o mistério
Segue o amor sincero.
Lavra a palavra
Jamais perdida
E mesmo nunca adormecida
Poderá sempre
Fazer-te sonhar


Fernando Armando Ribeiro

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Soneto da Dissonância Cognitiva


Soneto da Dissonância Cognitiva

Rodolfo Pamplona Filho
Contrastar uma crença básica
em oposição diametral à outra.
Viver uma vida antropofágica,
devorando o que está à solta.

Declarar-se algo
que se sabe que não se é...
pois tudo que conquistou
foi baseado em um temor

que deixou de existir,
passando a viver
somente para repetir

o que nem mais se crê,
em  uma forma de auto-punir,
ao impor a si mesmo um sofrer...

Mikonos, 24 de setembro de 2012.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Ermetismo dell'anima


 Ermetismo dell'anima

Lo senti l'urlo nella pioggia?
Sono Me e non sono Io...
E l'eco dei miei pensieri?
Sono foglia e non sono vento...


Marisa Barbato

Paternidade



Paternidade

Rodolfo Pamplona Filho
A paternidade é
um sentimento poderoso
de amar incondicionalmente
alguém que acabamos de conhecer,
mas que ninguém conhecerá
mais do que nós mesmos

Praia do Forte, 03 de novembro de 2012, para Murilo e Milena.

sábado, 2 de novembro de 2013

Madrepérola


Madrepérola

Ela mirava o homem, aparentando extrema atenção. Quem visse se admiraria. Normalmente as pessoas não fazem assim. Deixam o conversador dizer palavras, frases, histórias, dramas, prosopopeias, sem sequer demonstrarem ouvir. Viram-se de lado, mexem nos dedos, coçam os olhos e narizes. Se indagadas de repente sobre o assunto falado, são incapazes de se lembrar do fio da conversação. Lia olhava Rodrigo como se visse um santo se materializar.  Fazia tempo que não saía com alguém do sexo oposto. Com homens, apenas trocava palavras necessárias. Na verdade, haviam se passado dois ou três anos da sua decisão de evitá-los, porque com um deles passara pelos piores momentos da vida. Não morrera por pouco. Trazia no corpo e na alma as marcas das sevícias, vindas daquele que pensara digno do seu amor, porquanto acreditava nesse sentimento. Levara-o para casa e para a cama. Dera-lhe conforto e carinho. Gradativamente, ele mudara, até se transformar em um monstro estranho e cruel. Era no que pensava naquele momento, inobstante demonstrar interesse e acompanhar com gestos as palavras do falante, mas só aparentemente. Sabia no geral do que ele tratava, mas teria de confessar ter perdido o fio do assunto, se perguntada fosse. De si para si, também deliberava se ele merecia confiança, pois, com o outro, no início era assim, tudo bom e sereno.
Lia, desfeita na descrença, viu Tiago sair da sua casa sob a mira do revólver do primo Albano. Não fossem os vigorosos pontapés do primo policial, talvez tentasse mais uma vez dizer promessas de remissão. Ela ficou firme, embora perdoadora inveterada. Não cederia mais. Estava resoluta. Tiago sumiu na esquina e dele nunca mais teve notícia. Como lhe havia dito Albano, um espancador de mulheres sempre é um covarde. Pelo sim, pelo não, o primo lhe deu a arma. Uma pequena pistola cromada, com cabo em madrepérola, que cabia perfeitamente em uma bolsa feminina. Ensinou-lhe o manejo e a conservação necessária. Conseguiu-lhe porte. E, daí em diante, Lia não ficou mais sem a arma e a levava na bolsa aonde fosse.
Rodrigo conhecera Lia no metrô. Chamou-lhe a atenção a bela mulher com a mão dentro da bolsa, como se escondesse algum dedo faltante ou esmalte estilhaçado. Ao ver seu olhar percebido, sorriu para ela. A mão da moça afundou mais. Intrigado, ele tentou conversar. Ela nada disse e desceu na estação seguinte. Ficou-lhe a imagem da mulher da mão escondida. Vez em quando, pensava nela.
Alguns meses após o episódio no metrô, a firma em que trabalhava Rodrigo foi contratada para organizar um evento, coincidentemente, na empresa em que Lia trabalhava. No dia do acontecimento, ele, como sempre, circulou discretamente entre os convivas a fim de examinar a boa prestação do serviço. Admirou-se ao avistar, em um canto, a moça do metrô que ficara em seu pensamento, ali também com a mão direita escondida na bolsa. Ela estava de pé, perto da janela, encostada a uma parede de quina e alheia ao alvoroço. Ele se aproximou e se apresentou. Disse se lembrar dela do metrô e que a mão dentro da bolsa o havia intrigado. Perguntou, em tom brincalhão, o que haverá ali de tão especial. Como resposta, recebeu um olhar aflito. Rodrigo mudou rapidamente de assunto, temeroso de ser ela portadora de algum aleijão e de que pudesse estar sendo grosseiro.
Lia se assustou com o assédio de Rodrigo. Quase tirou a arma da bolsa, mas pensou no emprego, na necessidade e na estupidez de uma reação de tal monta num ambiente daquele. Em local ermo, não hesitaria. Como o moço não fosse embora e continuasse a dizer coisas, acabou por se acostumar com a companhia e, certo tempo depois, viu nos olhos de Rodrigo algo diferente dos olhares dos outros homens, capaz de lhe dar confiança. Isso porque, embora procurasse se vestir com recato, não havia como dissimular o belo corpo e evitar a atração dos homens. E, se isso sempre a incomodara, ultimamente lhe dava medo. A cada demonstração de volúpia de um colega de trabalho ou transeunte qualquer, ela crispava a mão na madrepérola. Em certa ocasião, apontara a pistola em direção à testa de um rapaz que lhe pedira uma informação qualquer, ou outra coisa que não entendera. O jovem escafedera-se com rapidez de um corisco.  Ao contrário dos outros, Rodrigo, salvo uma ou outra olhadela em direção à sua mão da carícia secreta, fitava-a sempre no rosto e não no encontro das coxas, nos peitos e nas ancas. Dava-lhe assim a impressão tranquila de confiabilidade. E ele gostava de falar muito, como podia ver naquele instante. Decerto seria um bom amigo e parceiro.
             Ao receber o convite para um encontro no dia seguinte, hesitou um pouco, mas aceitou.
             Carente de atenção, amor e sexo, ao chegar a casa, noite afora pensou em Rodrigo. Excitou-se ao imaginar um novo relacionamento, desta vez com um homem bom, bonito, alegre, conversador e com bela voz, para ela predicados importantes. Uma sensação de liberdade a invadiu e ela sentiu uma incrível vontade de conversar com ele. Decidiu que lhe contaria as suas agruras e assim se limparia das marcas do passado horrível. Poderia então sonhar com um futuro brando e feliz. Chegou a treinar no espelho algumas palavras. Riu alto e dançou no quarto, antes torturante, agora repleto da luz do amanhã sonhado. E, sensual, deitou-se à cama e se esfregou nos lençóis e travesseiros, até tremerem-lhe órgãos e membros no ar rarefeito nos soluços soçobrados.
             Rodrigo, que havia percebido os temores de Lia, embora a cobiçasse e por ela fosse atraído, decidiu lhe demonstrar querença mansa. Para não criar embaraços no primeiro encontro, viu por bem conversar muito, demonstrar mais amizade que outra coisa qualquer. Havia na mulher algo diferente e as suas reações não eram normais. Pensou que, enquanto isso não fosse esclarecido, o melhor seria manter certa distância. E assim fazia naquele momento. E, enquanto dizia o que nem sabia, lembrava-se dos sonhos vindos após a visão no metrô. Ela à sua frente, mão na bolsa e olhar atento. Súbito lhe faltou assunto e ele se calou. Ela tentou dizer alguma coisa.  Ele, com medo de não se lembrar do que acabara de dizer, fez sinal de espera com um gesto e sussurrou precisar ir ao banheiro. E fez isso na intenção de que ela se esquecesse do que ele dissera da boca para fora. Quem os visse de longe talvez achasse que tinham brigado, pois ela tirou a mão da bolsa, empunhando um lenço de papel, que passou no rosto, mais precisamente na testa.
             Fazia calor. Rodrigo lavou o rosto e voltou à mesa, a tempo de ver, de relance, a mão direita de Lia, logo voltada para o interior da bolsa. Inobstante a rapidez, não constatou qualquer anomalia. Levantou os seus olhos em direção aos dela e viu ternura. Os lábios carnudos e sensuais se entreabriram. Rodrigo pensou no beijo.  Lia queria dizer alguma coisa, entretanto. Chegou a balbuciar alguma sílaba. Rodrigo, por sua vez, mostrando-se insaciável falante, começou outro solilóquio. Lia se sentiu oprimida. Crispou os dedos no cabo de madrepérola. Roçou a trava e acariciou o gatilho. Fez sinal com a mão esquerda para que ele parasse de falar. A seguir, levantou o dedo, como se pedisse aparte ou respondesse chamada na escola, ainda menina. Ele com o olhar perdido, fixo em um ponto imaginário, como se se esforçasse na lembrança de um papel decorado. Lia sentiu tremores. Lembrou-se de Tiago, amarrando-a em uma cadeira para obrigá-la a ouvir as aventuras dele com outras mulheres, contadas nos mínimos detalhes. Talvez muitas fossem inventadas, mas ela sofria. A mão direita, sem comando de consciência, soltou-se da bolsa. Lia nem queria acreditar que estivesse segurando um batom apontado para ele. A mão perfeita visível. Nem aleijão, nem esmalte ruim. Desconcertada, Lia pintou os lábios, apesar de faltar precisão. Mãos trêmulas. Acreditou que pudesse dizer alguma coisa após sua estranha atitude. Fingiu rir. Ganhou fôlego e entreabriu os lábios. Chegou a dizer o nome dele, como introdução de alguma frase. Ele, sem se deter, perdeu-se em palavrório. Ela bebeu um gole do refrigerante e sua mão voltou à bolsa. Sentiu falta da pistola e concluiu que revirara a bolsa ao pegar o batom, ou que pegara o batom por ter revirado o conteúdo da bolsa. Mas por que pegaria a arma? Rodrigo não lhe fizera mal, nem a ameaçara. Talvez o confundisse com Tiago, tanto que se imaginara amarrada à cadeira. Novamente, viu em Rodrigo o homem bom, porém ele não permitia que ela lhe dissesse coisa alguma e logo se transformava em Tiago e voltava a ser Rodrigo, num vai e vem louco. A mão na bolsa acompanhava com apertões na madrepérola as mutações. Lia sentiu fome. Pegou o pequeno cardápio encapado de plástico. Rodrigo continuava a dizer coisas que ela já não ouvia, nem se dava ao trabalho de fingir ouvir. Era como se ele não existisse mais e a sua voz fosse mero som incidental, como as músicas dos bares, perdidas na balbúrdia. Não conseguiu manusear o cardápio com a mão esquerda, porque a destra, por hábito ou medo, continuava posta no cabo da arma. Tentou pedir ajuda ao garçom, mas emudecera a sua garganta ardida do esforço de segurar a opressão. Queria dizer alguma coisa, ser ouvida, atendida, nem que fosse num pedido de prato. O aperto enfurecido na arma. O homem falante, ora amado, ora odiado, sofria mutações e era Rodrigo e era Tiago. Bom e mau. Bom ou mau? Já não sabia. Sentia a madrepérola na mão e tateou para soltar a trava.  O gatilho logo se ofereceu obsceno ao toque do indicador.
    Repentinamente, ele se calou e esticou as mãos na direção dela. Ela se lembrou das simulações de estrangulamento pelas quais passara. Empunhou a pistola dentro da bolsa. Rodrigo queria ajudá-la na escolha do pedido. A mão na bolsa, na arma. Ela sentiu uma fisgada dentro do peito. Rodrigo se levantou... Aproximou-se...  Ela também se pôs de pé. A mão crispada na arma. Ele sorriu. Ela tirou a mão da bolsa lentamente. Ele se acercou dela. Abraçaram-se. Quem olhasse com atenção perceberia os filetes descerem dos olhos de Lia. A mão abandonou a bolsa, desarmada, acariciou os cabelos dele e logo veio o beijo.

(Jairo Vianna Ramos)