quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O rosto sem face


O rosto sem face


Aquele era sim o seu rosto, mas não sua face. Não saberia explicar o paradoxo não fosse o álibi inquestionável da ciência. Mas ela estava ali, prostrada e, diante do espelho, a busca pela identidade só encontrava sossego diante do conhecido e atordoado olhar. Não, não haveria perguntas. O silêncio seria a única possível manifestação humana diante de tão grandioso mistério. O chamado do outro tardaria, e o seu próprio chamado não iria se fazer mais cedo. Será possível que ninguém a reconheceria? Teria ela de contar e recontar sua história, de mergulhar mais uma vez em todas as dores, alegrias e amores para descobrir a si mesma uma vez mais em seu ser. Não, isso não era justo. Não era possível, crível... não era... nada!

Nada! Que estranho sentido esta palavra agora adquiria. Jamais pensara que nada pudesse significar tanto. Causar tanto pânico, transtorno... e conforto. Nada. O que seria? Quem seria? Nada sou eu? – perguntava-se a criatura desconsolada. Sem memória, sem história, sem espelho! Sem o olhar do outro que refletisse o seu próprio a lhe mostrar o que se reconhece – e é bem verdade, o que se desconhece, se recusa e se nega também.

De repente, uma forte batida na porta faz cessar todo o monólogo existencial-metafísico.
- São os fotógrafos da revista! Estão esperando lá embaixo, a empregada lhe grita do corredor. Ela então mais uma vez fecha os olhos, num rito quase-fúnebre de quem cerra os olhos para morrer. Sabia que a partir dali não haveria mais espelhos, apenas câmeras e flashs a registrar o belíssimo rosto cuja face consistia em ser nada.


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Fernando Armando Ribeiro

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