O rosto sem
face
Aquele era sim o
seu rosto, mas não sua face. Não saberia explicar o paradoxo não fosse o álibi
inquestionável da ciência. Mas ela estava ali, prostrada e, diante do espelho, a
busca pela identidade só encontrava sossego diante do conhecido e atordoado
olhar. Não, não haveria perguntas. O silêncio seria a única possível
manifestação humana diante de tão grandioso mistério. O chamado do outro
tardaria, e o seu próprio chamado não iria se fazer mais cedo. Será possível que
ninguém a reconheceria? Teria ela de contar e recontar sua história, de
mergulhar mais uma vez em todas as dores, alegrias e amores para descobrir a si
mesma uma vez mais em seu ser. Não, isso não era justo. Não era possível,
crível... não era... nada!
Nada! Que estranho
sentido esta palavra agora adquiria. Jamais pensara que nada pudesse significar
tanto. Causar tanto pânico, transtorno... e conforto. Nada. O que seria? Quem
seria? Nada sou eu? – perguntava-se a criatura desconsolada. Sem memória, sem
história, sem espelho! Sem o olhar do outro que refletisse o seu próprio a lhe
mostrar o que se reconhece – e é bem verdade, o que se desconhece, se recusa e
se nega também.
De repente, uma
forte batida na porta faz cessar todo o monólogo existencial-metafísico.
- São os fotógrafos
da revista! Estão esperando lá embaixo, a empregada lhe grita do corredor. Ela
então mais uma vez fecha os olhos, num rito quase-fúnebre de quem cerra os olhos
para morrer. Sabia que a partir dali não haveria mais espelhos, apenas câmeras e
flashs a registrar o belíssimo rosto cuja face consistia em ser
nada.
--
Fernando Armando Ribeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário