Oswald de Andrade
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Blog para ler e pensar... Um texto por dia... é a promessa... Ficarei muito feliz em ler e saber o que cada palavra despertou... Se você quiser compartilhar um texto, não hesite em mandar para rpf@rodolfopamplonafilho.com.br. Aqui, não compartilho apenas os meus textos, mas de poetas que eu já admiro e de todas as pessoas que queiram viajar comigo na poesia... Se quiser conhecer somente a minha poesia, acesse o blog rpf-poesia.blogspot.com.br. Espero que goste... Ficarei feliz com isso...
Oswald de Andrade
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Rodolfo Pamplona Filho
De repente,
um gesto
uma palavra
ou um suspirar
despertam
um novo olhar
de questionamento
-diria mais: estranhamento -
sobre o que aconteceu…
Salvador, 22 de setembro de 2023.
Oswald de Andrade
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados
Rodolfo Pamplona Filho
Uma normatização
baseada na emoção
Uma afirmação
fulcrada na sensação
Um Protocolo de
Permanente contradição
Um Estatuto dos
Hormônios em Ebulição.
Salvador, 22 de setembro de 2023.
Oswald de Andrade
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.
(in Poesias Reunidas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971.)
Rodolfo Pamplona Filho
Ser feliz é melhor
do que ter razão.
O silêncio é mais sábio
que a discussão
De que adianta provar
para quem só basta
a sua convicção?
Ser feliz pode ser,
no final das contas,
da vida, uma opção.
Salvador, 26 de novembro de 2023.
Oswald de Andrade
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.
Rodolfo Pamplona Filho
Meus afetos seguem
um caminho habitual
que o tempo normalizou:
uma trilha percorrida
por quem ou por algo
importante para mim…
Não importa quem seja!
Não interessa o que foi!
Não ligo para o que pensam!
Meus Alunos
Meus Cachorros
Minha Casa
Investimento de energia
Processo de Identificação
Reconhecimento de Identidade
Admiração
Amor
Gratidão
Coerência
com a essência
do que se viveu,
do que se é
e do que sempre
se quis ser.
Salvador, 22 de setembro de 2023.
Heitor Ferraz Mello
O que observo deste 9° andar
de um prédio comercial
em São Paulo, na alameda
Ministro Rocha Azevedo
É o lilás de um fim de tarde
em contraste com o resíduo
dourado do sol se pondo
em algum lugar, atrás dos prédios
É a forma de uma catedral
que se desenha no asfalto úmido
com suas agulhas espichadas
pelos pneus dos carros
O que observo com o corpo
levemente apoiado na janela
é que o dia acaba do lado de fora
contra a continuidade do mercúrio
Rodolfo Pamplona Filho
Boca carnuda
com lábios de enlouquecer
Comissão de frente
convidando para receber
Barriga chapada
com pele de veludo
Alas armadas
que merecem estudo…
Que reco-reco!
Que tamborim!
Com um bumbo tocando
a noite toda para mim
Com um pandeiro chamando
para um samba sem fim…
Morro de São Paulo, 4 de janeiro de 2023.
Heitor Ferraz Mello
Às vezes acontece
do acaso
inconfortável
abrir uma brecha
na rasteira do presente
e alguma imagem
que estava presa
se libertar.
Do silêncio
escapa um rumor
de risos e vozes
(talvez na ponte
sobre um velho ribeirão)
e braços longos e desajeitados
de uma garota
longa e desajeitada
se acomodam sobre as coxas
e outra garota
esconde a timidez
de uma gargalhada
colocando a mão na boca.
Rodolfo Pamplona Filho
Quem julga quem julga
não sabe julgar
a solidão de quem reflete
sobre o que compromete
o fato do passado,
o reflexo no presente
e a potencialidade para o futuro.
Se não houver razão, morreria de inanição,
Se não houver poesia, enlouqueceria
Se não houver tensão, não haveria tesão
Se não houver paz, seria caro demais…
Conhecer a vida
Compreender as razões
Determinar destinos
é tarefa que exige responsabilidade,
mas decidir de verdade
importa na consciência
de nunca saber a essência
do que ocorreu na realidade.
Salvador, 22 de outubro de 2023, papeando com Chico Gomes.
Heitor Ferraz Mello
Minha casa é um refúgio
De noite
quando o sono não chega
vou até o portão para fumar um cigarro
O homem protegido
sob uma pequena marquise de uma garagem
fala sozinho
igual ao meu filho quando brinca
O homem imita conversas
e revolve uma sacola de supermercado
Afasto-me do poema que os olhos espiões
poderiam indicar
Refugio-me entre artigos da casa
Aquele homem sob a marquise
permanece inabordável
(Rodolfo Pamplona e Chico Gomes)
Sorte de quem pode lembrar
Dela na areia do mar
Sorte de quem pode lembrar
Ela na areia do mar
Ela fez da praia passarela
Maior que no maior show da terra
Fez perder o fio do meu enredo
Do samba que pensei pro carnaval
Nota 10 pra comissão de frente
10 na fantasia com seu cheiro
10 pelo conjunto em harmonia
10 pra bateria e pro pandeiro
(E que pandeiro!)
Sorte de quem pode lembrar
Dela na areia do mar
Sorte de quem pode lembrar
Ela na areia do mar
Na conexão Salvador-Morro de São Paulo, em 06 de janeiro de 2024.
Heitor Ferraz Mello
Então
ele se sentou
num banquinho
ajeitou
o chapéu de feltro
colocou o filho
mais velho
ao seu lado
em pé
e se deixou fotografar
Então
ela se sentou
no murinho
da casa
esticou o vestido
cobrindo os joelhos
sorriu
para a lente
e também
se deixou fotografar
Rodolfo Pamplona Filho
Mi casa, Su Casa
Minha casa é sua casa
Este é um espaço
para sair do quadrado!
Deixe do lado de fora
tudo que é pesado
Levante a cabeça
Abra um sorriso
Esqueça o juízo
e seja feliz!
Sente-se à mesa
Sirva-se de uma taça
Repita a sobremesa
Mostre a sua raça
Divida o prato com alguém
Pense adiante (e além!)
Brinde a vida com alegria
Não deixe para outro dia
Aqui é o lugar da felicidade
para ser quem se é de verdade
O momento é agora
e o caminho é para frente!
Salvador, hoje e sempre!
Beijocas Inesperadas
Como é bom receber
beijocas inesperadas
no meio da manhã,
tarde ou noite
Como é bom sentir
beijocas inesperadas
na bochecha,
na testa ou no pescoço
Como é bom dar
beijocas inesperadas
que despertam a certeza
de que ainda vale a pena viver…
Salvador, 31 de outubro de 2023.
Heitor Ferraz Mello
Quando a noite é só o barulho
de um galo desregulado
e o apito distante de um guarda-noturno
Nesta hora
em que os corpos procuram a ausência
tão necessária
e a dor
um ponto-de-vista
Procuro
em cada canto do quarto
— olhos de treinada coruja —
o deus que me pronuncia.
Rodolfo Pamplona Filho
Conheça
seus pais, antes de você nascer;
seu cônjuge, no divórcio;
seus irmãos, no inventário;
seus filhos, na velhice;
seus amigos, na dificuldade;
seus empregados, na despedida;
seus fãs, no ostracismo;
seus alunos, após a formatura;
seus servidores, após a aposentadoria;
seus discípulos, após a sua morte.
Aracaju, 25 de novembro de 2023.
Heitor Ferraz Mello
Nenhuma lembrança
- o sol batendo no prédio
na sacada alta
de alta fuligem
na pequena área
cercada de brinquedos
onde procuro meu pai,
minha mãe e meu irmão.
E tudo em volta
entramado na pedra
é silêncio e memória
fugindo pela mão.
Rodolfo Pamplona Filho
Energia produtiva
Energia corrosiva
Energia física
Energia elétrica
Energia seminal
Energia emocional
Há sabedoria
em economizar
qualquer energia,
mas emocionar saudavelmente
é o recurso natural
do qual se deve fazer melhor uso…
Salvador, 08 de dezembro de 2023.
Heitor Ferraz Mello
Tudo vai revertendo
em sono forte.
Impulso de fuga
para o país vário
da insolência do sol,
da tempestade
temperada em sonho.
O sono vai correndo
ardiloso
todas as formas,
dentes,
olhos por fora.
E o coração pára
diluído no copo d'água
ao lado.
Rodolfo Pamplona Filho
Afinidade é uma palavra que define
o sentimento de proximidade
entre quem nem sequer se conhece direito,
mas tem a sensação de que, no peito,
já acolheu quem recebeu,
abraçou quem se perdeu
e revelou seu verdadeiro eu.
Salvador, 22 de outubro de 2023, papeando com Chico Gomes
Heitor Ferraz Mello
Todo dia, espero
um pouco mais.
Se caminho pela rua,
nenhuma pedra,
calçada irregular,
solavanco de memória
e estrelas reconduzidas
ao céu posto.
Rodolfo Pamplona Filho
Saber equacionar
a diferença entre
o ideal e o real
é o caminho natural
para a sobrevivência com independência,
a aceitação sem resignação
e poder manter
os olhos no céu,
sem tirar os pés do chão.
Os desejos são legítimos!
Sua ocorrência é
uma possibilidade,
não uma certeza
e aprender
a bem viver
é compreender
que desprezar o velocípede
por não ter ganho a bicicleta
é buscar para si
apenas o pior de dois mundos
Brasília, 06 de outubro de 2023.
Heitor Ferraz Mello
Havia sempre no passado
o momento de grande gargalhada.
Corríamos pela casa
como duas crianças
e sacudíamos os lençóis
com nossos corpos.
Tínhamos em comum
a admiração da lua
e um certo jeito de olhar o mundo.
E mesmo hoje no passado
em que já nos encontramos distantes
ainda corremos pela casa
desabitada.
E só.
Rodolfo Pamplona Filho
Será que a nossa poesia algum dia cessará?
Será que o amor mais puro já vivido terminará?
Arrepio-me só de cogitar
a possibilidade disso se realizar...
Incertezas quanto ao futuro
Insegurança com o presente
Tristeza ao lembrar o passado
e quanto tempo perdemos
em caminhos que insistiam
em não se cruzar...
Meu maior medo não é
deixar de te amar,
pois isso jamais ocorrerá...
Minha ansiedade é perder
o desejo, o amasso,
o frio na barriga
pelo contato de um abraço...
Temo...
Tremo...
Choro...
Morro...
Mas sigo na esperança
de que o que é eterno
nunca se apaga...
San Francisco, 28 de setembro de 2010.
Florbela Espanca
Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.
Que só, de ti, me venha magoa e dor
O que me importa a mim? O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!
Beijá-me as mãos, Amor, devagarinho...
Como se os dois nascessemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...
Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei pra minha boca!...
Rodolfo Pamplona Filho
Por que não se pode
amar mais de uma pessoa
ao mesmo tempo?
Por que o ato de amar
exige uma exclusividade artificial,
como se o coração pudesse
ser controlado como
um bicho de estimação?
Para alguém ser completo,
é possível que haja mais de uma peça
para formar um todo,
que não é um quebra-cabeça,
mas, sim, um complexo prisma,
cujas faces são complementares,
não havendo verdade ou mentira,
pois tudo dependerá do ângulo que se mira...
Eu quero amar você eternamente,
mas não quero deixar de amar ninguém...
Eu quero ficar com você o resto da vida,
mas isso não significa viver só a dois...
Meu amor não é uma cabine simples,
com apenas dois lugares:
é um mar com vários ecossistemas,
uma galáxia com diversas estrelas...
Eu não quero a clandestinidade
de viver um amor marginal...
Quero uma relação de maturidade
em que haja entrega total,
sem a ilusão da única cara metade,
vivendo o múltiplo afeto da vida real.
San Francisco, 28 de setembro de 2010.
Florbela Espanca
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o sol, a luz intensa
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão é ate da morte!
Mas o mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos céus, os braços, como um crente!
E o sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as pedras... essas... pisá-as toda a gente!...
Rodolfo Pamplona Filho
Quero sorrir!
Quero ver você vir!
Quero ter você e sentir!
Quero amar você e dormir...
...quero sumir?
...quero sumir...
...somente enquanto você não está aqui!
Salvador, 06 de dezembro de 2010
Florbela Espanca
Minh'alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito. É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!... Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...
Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...