sábado, 20 de outubro de 2012

Amarre meu coração na primeira árvore.


Amarre meu coração na primeira árvore.


(Fabricio Carpinejar)

Mas ele será canalha por que amou a verdade? Ele traiu o quê? Trair sua vida de repente não é trair o seu sentimento, de repente não é trair o seu desejo, de repente não é trair seu cheiro. Como avaliar o que será perfeito dentro de 2 ou 10 anos? Como apontar que aquilo será melhor se o melhor ainda aguarda a invenção? Como adivinhar se uma relação dará certo sem estar nela ou sair dela? Como escolher entre dois amores se não é concedida a chance de escolher entre duas mortes ou dois nascimentos? De que adian ta ser objetivo se o que menos emociona é a objetividade?

Quando se escolhe, nunca se saberá se foi a definição errada, pois recordar é não deixar de alterar o passado. Nunca se saberá se foi a definição certa, já que estaremos sempre insatisfeitos.

Opina-se à vontade sobre a paixão com senso e prudência até que aconteça de modo pessoal. Perde-se a idealização e o sentido de comentar. Não terá nenhum valor o que você aprendeu nas apostilas. O cotidiano é feito de baques. Eu diferencio com dificuldade o desespero de viver da alegria.

Que lealdade a gente busca no amor além da ânsia de saltar o braço em torno do pescoço dela ou da calma ancestral de sentar de mãos dadas no fundo do lotação? Ou do descobrir uma cicatriz de infância debaixo do queixo? Ou de ir ao cinema para encurvar os ombros? Ou de apertar o braço dela ao percorrer a rua e a noite? Ou de ser uma criança com desaforos adultos? Ou um adulto com elog ios infantis? Ou de estalar bei jos nos ouvidos? Ou de acumular a lã e a luz no umbigo? Ou de observar as telhas como um pelego de estrelas? Ou de assobiar o bico da garrafa, transformando o vinho que resta em sopro?

Que lealdade a gente busca senão a de se aproximar e não pensar? Deixar que o tempo ceda espaço para o tempo da linguagem e que a carne seja metade da fruta na boca.

O amor não é segurança, todos procuram o nervosismo. Ao amar, fica-se fragmentado, não dividido. Dividido é um homem ainda muito inteiro.

Fica-se tão sensível que se entra em um estado de insensibilidade. O choro é pavio mergulhado na vela. Difícil erguê-lo da cera. Não se reage, demora-se o olhar e o talher, demora-se a ouvir. Algo como sentar na ante-sala da voz para folhear revistas.

 O fluxo emocional é maior do que a possibilidade de comunicá-lo. Flutua-se como se o mundo ainda estivesse ensaiando antes de amanhecer. Procura-se uma praia para arrastar com preguiç a a rede dos pés na areia. Sem coragem de falar, o jeito é esperar o milagre da espuma, um sinal, um aviso, que os peixes sejam mais fortes do que nós e arrebentem as cordas

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Soneto do Querer

Soneto do Querer

Rodolfo Pamplona Filho

Eu quero ter seu amor todo tempo
e a cada simples momento,
como se um incontido vento
me tomasse cada argumento...

Eu quero gritar para o mundo
tudo que carrego no peito
como um vazio sem fundo
que só é repleto no leito

onde descobri o imenso prazer
de compartilhar com você
a cama, os sonhos e a vida,

pois não há sede maior
do que quando se está só
no instante da partida.

Na Ponte Aérea Recife-Salvador, 26 de novembro de 2011.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A vida quase morta

A vida quase morta.


(Cris Guerra)

"O contrário do prazer não é a tristeza, é o tédio"
, disse o belo professor de filosofia. Ela não imaginava que a inteligência pudesse morar em casa tão bonita.

Rápida, tentou impressionar:

— Da tristeza eu faço letra de samba. E acordo de novo a alegria que mora em mim.

"É preciso ter coragem", ele respondeu. Sem coragem, a vida é mesmo um tédio. E o que ela mais teme é ser engolida pelo tédio.

— É preciso ter coragem para não se acostumar.

E pediram mais uma garrafa de vinho

http://amoreponto.blogspot.com/2009/09/o-contrario-do-prazer-nao-e-tristeza-e.html

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Soneto da Interpretação da Poesia

Soneto da Interpretação da Poesia

Rodolfo Pamplona Filho

O poema não pertence ao poeta,
mas, sim, ao mundo que o interpreta.
Por isso, qualquer explicação
é pura e simples reflexão

sobre qual era a proposta,
que, originalmente, havia sido posta
para fazer a construção
de uma nova manifestação.

Mas qualquer conjectura
nunca será realmente pura
para quem conseguiu se envolver

nas palavras lançadas ao vento,
buscando novo alento
na sensibilidade de cada ser.

Na Ponte Aérea Recife-Salvador, 26 de novembro de 2011.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sobre Encontros Casuais

  • Sobre Encontros Casuais    
            •     Lua Estrela
Queria poder beber o seu riso
Sentir o seu cio
Amar o seu tom

E mais uma vez
Sentir o arrepio
Do seu ouvido
Saber como é bom

Estar contigo
Dormir contigo
E ser contido

Pela madrugada
Inesperada
Que entra e cala

Todo o furor
Do nosso amor
Que enfim resvala...

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

(Re)Encontrando um Irmão


(Re)Encontrando um Irmão

Rodolfo Pamplona Filho
Quanto tempo se passou
sem que uma palavra fosse
sequer trocada ou ventilada?

Quantos momentos se perderam
pelo medo de um contato proibido,
sabe-se lá por qual razão?

Quantas imagens foram implantadas
sem saber qual era, na realidade,
o rosto de quem não se conhecia?

Quanta animosidade foi estimulada
por quem cabia apenas, na verdade,
permitir e ensinar o amor?

O passado jamais voltará
e é um pueril exercício de ingenuidade
lamentar o que poderia ter sido...

O presente é o que se pode viver
e, em vez de chorar o ocorrido,
que tal aproveitar o que surgiu?

O futuro não pertence a ninguém,
mas pode ser melhor do que tudo,
pois ainda será construído!

Um irmão nunca se perde!
Se os caminhos se afastaram
é porque era necessário lapidar

a carne, o sangue e o espírito,
que se há de compartilhar enquanto
se tem alguma esperança na vida...

Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2012


domingo, 14 de outubro de 2012

JOSÉ


JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio  e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade.