quinta-feira, 30 de junho de 2011

Rodolfo Pamplona Filho

Acreditar no que não se vê
e ver o que ninguém mais presencia.
Chorar com uma idéia conhecida
e emocionar-se com uma já ouvida.
Ler sempre a mesma palavra
e ter nela uma mensagem nova.
Lutar pelo que pensa amar
e viver como não houvesse outra forma.
Comprometer-se com uma doutrina,
a ponto de testemunhar o que ensina.
Perdoar por disciplina e
clamar por uma nova sina.
Aceitar o que todos negam
e negar o que todos aceitam.
Caminhar a velha estrada a pé...
Isto, sim, é que é ter fé!


Salvador, 16 de março de 2011.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Filhos são do mundo - José Saramago

Filhos são do mundo - José Saramago

Devemos criar os filhos para o mundo. Torná-los autônomos, libertos, até de
nossas ordens. A partir de certa idade, só valem conselhos.
Especialistas ensinaram-nos a acreditar que só esta postura torna adulto
aquele bebê que um dia levamos na barriga.
E a maioria de nós pais acredita e tenta fazer isso. O que não nos impede
de sofrer quando fazem escolhas diferentes daquelas que gostaríamos ou
quando eles próprios sofrem pelas escolhas que recomendamos.
Então, filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como
amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para
darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo!
Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se
expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo
corretamente e do medo de perder algo tão amado.
Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo!
Então, de quem são nossos filhos? Eu acredito que são de Deus, mas com
respeito aos ateus digamos que são deles próprios, donos de suas vidas,
porém, um tempo precisaram ser dependentes dos pais para crescerem,
biológica, sociológica, psicológica e emocionalmente.
E o meu sentimento, a minha dedicação, o meu investimento? Não deveriam
retornar em sorrisos, orgulho, netos e amparo na velhice?
Pensar assim é entender os filhos como nossos e eles, não se esqueçam, são
do mundo!
Volto para casa ao fim do plantão, início de férias, mais tempo para os
fllhos, olho meus pequenos pimpolhos e penso como seria bom se não fossem
apenas empréstimo! Mas é. Eles são do mundo. O problema é que meu coração
já é deles. Santo anjo do Senhor...
É a mais concreta realidade. Só resta a nós, mães e pais, rezar e
aproveitar todos os momentos possíveis ao lado das nossas 'crias', que
mesmo sendo 'emprestadas' são a maior parte de nós !!!
 

"A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver ".
(José Saramago)

terça-feira, 28 de junho de 2011

Teologia das desgraças

Teologia das desgraças

O mortal terremoto foi saudado
Por fundamentalistas fariseus
Como sendo um sinal vindo de Deus
Que o fim da humanidade era chegado!

E nenhum sentimento demonstravam
Pelas pobres famílias que sofriam
Somente a altivez com que diziam
Que eles estavam certos, sempre estavam!

É fácil construir teologias
Sobre o alheio sofrimento humano
Quando não se padece as agonias.

O duro é suportar na própria pele
A dor, a angústia, a fome e o desengano,
Se tese alguma há que os debele.


Alexandre Roque, março de 2011





(http://www.alexandreroque.com/2011/03/teologia-das-desgracas.html)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Julgamento da História

O Julgamento da História

Rodolfo Pamplona Filho

A História não é escrita
por aqueles dignos de ser lembrados,
pois os verdadeiros protagonistas
estão ocupados demais,
fazendo-a,
para parar e compartilhar
sua visão com o mundo.

Quem realmente é essencial
não tem chance de transferir
toda sua visão à posteridade,
uma vez que se perde
na interminável luta
para modelar o mundo.

Ser herói ou vilão
na visão da humanidade
pouco importa, realmente,
pois ambos são somente peões
no grande tabuleiro do jogo da vida.

No julgamento da sua trajetória,
como sua vida passará pela história?
Alguém que fez diferença
no amor, no mundo ou na crença?
Ou reduzido a mais um pobre coitado,
que passou toda a existência
lutando pela sobrevivência...

Esta é, sim, a pergunta
definitivamente mais importante
e que deve ser feita a todo instante
por quem adquiriu a consciência
de que é mais do que uma presença
no tablado da existência.

Salvador, 17 de março de 2011.

domingo, 26 de junho de 2011

Discussão Jurídica entre Marido e Mulher...

Desajeitado, o magistrado Dr. Judson tentava equilibrar em suas
mãos, uma coca-cola, um pacotinho de biscoitos e uma pasta de
documentos.
 
Com toda esta tralha, dirigir-se-ia para seu gabinete, mas ao dar meia
volta deparou-se com sua esposa, a advogada Dra. Disthemis, que já o
observava há sabe-se lá quantos minutos. O susto foi tal que a coca,
os biscoitos e os documentos foram ao chão.
 
Por se tratarem de dois técnicos judiciais experientes, o diálogo que se instaurou obedeceu o mais alto padrão de erudição processual.
 
ESPOSA:
- Judson! Eu não aguento mais essa sua inércia. Eu estou carente,
carente de ação, entende?
 
JUIZ:
- Carente de ação? Ora, você sabe muito bem que, para sair da Inércia,
o Juízo precisa ser provocado e você não me provoca, há anos. Já eu
dificilmente inicio um processo sem que haja
contestação.
 
ESPOSA:
- Claro, você preferia que o processo corresse à revelia. Mas não
adianta, tem que haver o exame das preliminares, antes de entrar no
mérito. E mais, com você o rito é sempre sumaríssimo, isso quando a
lide não fica pendente... Daí é que a execução fica frustrada.
 
JUIZ:
- Calma aí, agora você está apelando. Eu já disse que não quero
acordar o apenso, no quarto ao lado. Já é muito difícil colocá-lo para
dormir. Quanto ao rito sumaríssimo, é que eu prezo a economia
processual e detesto a morosidade. Além disso, às vezes até uma
cautelar pode ser satisfativa.

ESPOSA:
- Sim, mas pra isso é preciso que se usem alguns recursos especiais.
Teus recursos são sempre desertos, por absoluta ausência de preparo.
 
JUIZ:
- Ah, mas quando eu tento manejar o recurso extraordinário você sempre
nega seguimento. Fala dos meus recursos, mas impugna todas as minhas
tentativas de inovação processual. Isso quando não embarga a
execução.

ESPOSA:
- Mas existia um fundo de verdade nos argumentos da Dra. Disthemis. E o Dr.
Judson só se recusava a aceitar a culpa exclusiva pela crise do
relacionamento. Por isso, complementou:
 
JUIZ:
- Acho que o pedido procede, em parte, pois pelo que vejo existem
culpas concorrentes. Já que ambos somos sucumbentes vamos nos dar por
reciprocamente quitados e compor amigavelmente o litígio.
 
ESPOSA:
- Não posso. Agora existem terceiros interessados. E já houve a
preclusão consumativa.
 
JUIZ:
- Meu Deus! Mas de minha parte não havia sequer suspeição!
 
ESPOSA:
- Sim. Há muito que sua cognição não é exauriente. Aliás, nossa relação está extinta. Só vim pegar o apenso em carga e fazer remessa para a casa da minha mãe.
 
E ao ver a mulher bater a porta atrás de si, Dr. Judson fica tentando compreender tudo o que havia acontecido. Após deliberar por alguns minutos, chegou a uma triste conclusão:
 - É.. e eu é quem vou ter que pagar as custas...
(autor desconhecido)

sábado, 25 de junho de 2011

Soneto (para Sarah Margarette)

Soneto

para Sarah Margarette


Quando te vi pela primeira vez
Meu coração pulou descompassado
E como fosse um choro derramado
O amor que ainda não era então se fez

E os dias que eu vivi dilacerado
Na angústia do senão e do talvez
Quiseram efluir da timidez
As palavras do amor anunciado

E são catorze anos já vividos
De namoro, noivado e casamento
De momentos felizes e sofridos

E a cada ano que se passa vejo
Que quanto mais se vai passando o tempo
Mais te adoro, te quero e te desejo


Alexandre Roque, 26 de março de 2011

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sexta-feira, 24 de junho de 2011

Escorregões do Carnaval (um poema para Alisson)

Escorregões do Carnaval (um poema para Alisson)

Rodolfo Pamplona Filho

Há momentos para tudo na vida:
rir, chorar e até se emocionar...
mas o que eu não sabia
é que tinha hora para se acabar...

Uma figura muito importante,
que saiu de Gandhi no carnaval,
comeu alguma coisa impactante
e se sentiu um pouco mal...

E, por isso, teve de se aliviar
em uma arvore agradável e frondosa,
mas que acabou por escorregar
de forma estabanada e gostosa...

A primeira queda de verdade,
a gente nunca esquece,
pois cair na vista de toda a cidade
é algo merece uma prece,

pois o que era branco virou marrom
e os colares viraram história,
em um quedaço em alto e bom som,
arrebentando-se na escória...

E quem diria finalmente
que aquela figura impoluta
sairia catando coquinho pela frente
como um bom filho da puta...

Salvador, no auditório do Tribunal de Justiça,
11 de março de 2011.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Pensando Rodolfo

Pensando Rodolfo

Para não se perder entre vírgulas,
divagar, delirar...
Escreva.
Descubra Rodolfo, coração
que deixa o espaço
aberto para a emoção...
Sua fala vaza amor,
sua alma é linda e ela inspira...
Faz o sujeito falar flores!
Ele é especial,
pois os olhos se perdem
e confundem
a imagem com o espírito...
Ele é repouso
e pura fragrância,
refresco e
essência de anjo.
Amigo.
Procure
semântica
e sentido?
Amigo abrigo.
Você irá se esbarrar
em olhares ternos.
O Mestre fisga o ser,
homem e mulher.
Como pode ser
tão sensível,
destemido,
ter olhos na alma,
coração na mente?
Palavra para cada momento
ou ser amante do silêncio
quando deve
ter prosa suficiente
para engrandecer
pessoas carentes?
É assim que sinto Rodolfo.
Lendo poemas ou prosa,
você conseguirá ver um lugar,
um descanso,
um alento...
E se você se sente cansado,
ou confuso,
saiba que você tem um amigo:
o Mestre querido,
Rodolfo...

 

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Auto-Controle

Auto-Controle

Rodolfo Pamplona Filho
O que adianta chorar
diante do leite derramado?
Para que se desesperar
depois do prato ter quebrado?

A tristeza pode ser um caminho
para aquele que testemunha
e presencia o redemoinho
tocar perto de sua unha...

Mas, sinceramente, não vale a pena
perder de vez a tranqüilidade
por causa de algo fora de cena
e que não se recupera de verdade.

Os danos pelo controle perdido
serão maiores do que a causalidade,
pois nada paga o repouso esquecido
por motivos alheios à sua vontade.

Praia do Forte, 09 de março de 2011.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Todo Mundo quer ser Putão

Todo Mundo quer ser Putão

Darci HF
Todo Mundo quer ser Putão
Todo Mundo quer ser Putão
Todo Mundo quer ser Putão
Todo Mundo quer ser Putão

Todo mundo quer ser desejado
Todo mundo quer ser idolatrado
Todo mundo quer despertar tesão
Todo mundo quer ser Putão

Todo mundo quer pegar todas
Todo mundo quer as gostosas
Todo mundo quer trepar doidão
Todo mundo quer ser Putão

Todo mundo quer comer a vizinha
Todo mundo quer traçar a sobrinha
Todo mundo quer transar com a prima
Todo mundo quer a puta da esquina

Todo Mundo quer ser Putão
Todo Mundo quer ser Putão
Todo Mundo quer ser Putão
Todo Mundo quer ser Putão

Todo mundo...
Salvador, 28 de março de 2011.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O que aconteceria se?

O que aconteceria se?

Rodolfo Pamplona Filho
O que aconteceria se
a trilha não fosse tomada,
a chance perdida,
a decisão adiada,
a palavra proferida?

Existem mundos paralelos
em que os momentos
decisivos da existência
tenham tido um desfecho
diferente do conhecido?

Eu quero entrar na matrix
e saber se seria feliz
em um mundo distinto do que vivo,
em um destino diverso do que sinto,
em uma vida que nunca será vivida?

Só me resta pensar...
pois é de uma via única a estrada,
que não pode ser reiniciada,
pois, retomada, não será mesmo lugar,
mas, sim, uma nova rota a desbravar...

Praia do Forte, 09 de março de 2011.

domingo, 19 de junho de 2011

Juízes poet@s sois vós?

Juízes poet@s sois vós?
Rui Ferreira dos Santos <rfsantos@trt4.jus.br

Alexandre Roque Pinto
Saiu do ocaso
E com ele trouxe
Angústias
De todos os mineiros

Maria Francisca dos Santos Lacerda
Entre silêncios e vozes
E que de loucura nada tem
Nos brindou com Orfandade
Além de hospital publico em desamparo

Genésio Vivanco Solano Sobrinho
Entre cinzas e amigos ocultos
Sem ver o tempo passar
Mesclou choro e rio
Que assim, justapostos
Transmuda em política

Quem é você,
Geraldo de Castro Pereira?
Que fez brotar do brejo a flor-de-lótus
Em plena primavera teve um desangano
E se perdeu pelos caminhos da vida

Guilherme Feliciano
Com cachimbos de ébano
Pornomorfeando post mortem

Já José Antônio
Quer distância

Do Ladrão de Galinhas
Do MMendes

Paulo Merçon
Que depois do copo d’água
Pede um copo de cerveja
Numa poética ipoem
E com seu desencanto poético
Cria um poema tombado

O Paulo Nunes
É só desejo de poetar
Pele e bytes
Numa referencia linda
Ao cordel para um nordestino poeta

Pepe Chaves
Com sua íris
Em três cenas e uma miragem

Zéu Palmeira
E La reve
E a invenção da infância e do menino
Em choro e recomeço
Numa melancolia desesperada de um menino
(seria o mesmo?)
Ou da coroça alada

Por fim...
Eu e meu pai
Dia desses
Nos perguntamos porque,
Sesmaria de morena?


sábado, 18 de junho de 2011

Soneto do Sexo Casual

Soneto do Sexo Casual

Darci HF

Quero falar de um assunto
tido como proibido para muitos,
mas que todos já cogitaram um dia,
nem que seja em uma louca fantasia...

Não se trata de amor,
Não se trata de paixão,
É puro desejo e calor
É puro e louco tesão!

A entrega total a um desconhecido
A busca desenfreada da libido
Um prazer que satisfaz...

O gozo natural e incontido
O viver sem amarras no infinito
Sexo pelo sexo também é bom demais...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

TALVEZ

TALVEZ

Não há mais o tempo
Talvez a luz dos pirilampos
E o movimento estático das folhas

Talvez nos campos
Lembranças de priscas eras
De feitos tantos

O corpo vaga no espaço
Entre folhas, pirilampos eras
A luz instante infinito

Torpor no espaço:
Não há mais a dor
E pensamentos tantos feitos eras





Alexandre Roque
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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Sonho Lúcido

Sonho Lúcido

Rodolfo Pamplona Filho
Hoje, tive uma idéia de pura magia
para construir uma poesia.
Dei um salto no escuro.
Tive um sonho lúcido, no duro!

Eu estava acordado
e sonhando, como quem tudo sente...
Eu me vi inebriado,
mas, ao mesmo tempo, consciente.

Pensei em versos colocar
toda essa (con)fusão
de viver o sonho no ar
e sonhar o real na sensação.

Bateu um desespero,
por não me sentir inteiro
para saber direito o que vi,
nem o que realmente senti...

mas é uma sensação única,
como o momento de concepção,
desfazendo-se da túnica
no ato de criação...

Praia do Forte, 08 de março de 2011.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Afinidade

Afinidade


Não é o mais brilhante,
Mas é o mais sutil,
Delicado e penetrante dos sentimentos.
Não importa o tempo, a ausência,
Os adiantamentos, a distância, as impossibilidades.
Quando há afinidade,
Qualquer reencontro retoma a relação,
O diálogo, a conversa,
O afeto, no exato ponto de onde foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediante a vida.
É a vitória do adivinhado sobre o real,
Do subjetivo sobre o objetivo,
Do permanente sobre o passageiro,
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro,
Mas quando ela existe,
Não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Ela existia antes do conhecimento,
Irradia durante e permanece depois que as pessoas deixam de estar juntas.
Afinidade é ficar longe, pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem, sensibilizam.
Afinidade é receber o que vem de dentro com uma aceitação anterior ao entendimento.
Afinidade é sentir com...
Nem sentir contra, sem sentir para...
Sentir com e não ter necessidade de explicação do que está sentindo.
É olhar e perceber.
Afinidade é um sentimento singular, discreto e independente.
Pode existir a quilômetros de distância, mas é adivinhado na maneira de falar,
De escrever,
De andar,
De respirar...

Afinidade é retomar a relação
No tempo em que parou.
Porque ele (tempo) e
Ela (separação) nunca existiu.
Foi apenas a oportunidade dada (tirada)
Pelo tempo para que a maturação
Pudesse ocorrer e que cada
Pessoa pudesse ser cada vez mais.



Texto de Artur da Távola

terça-feira, 14 de junho de 2011

A Epopéia do Herói (meu tributo a Joseph Campbell)

A Epopéia do Herói (meu tributo a Joseph Campbell)

Rodolfo Pamplona Filho

Todo inicio da aventura se dá
na terra do perfeito alvorecer,
em que ninguém imaginará
o que ainda está para acontecer.

O chamado para a emoção
vem em repentina urgência
como uma irrecusável convocação
para a próxima fase da existência.

A recusa ao chamado da canção
não é um charme disfarçado,
mas a natural hesitação
de quem estava acomodado.

Mas uma ajuda sobrenatural,
vinda de uma protetora figura,
fornece o estímulo fundamental
para o início da aventura.

A superação do primeiro limiar
é apenas a abertura do caminhar,
vencendo o desafio inicial,
que dá coragem para o confronto real.

Cair na barriga da baleia
é ser engolido pelo desconhecido
e deixar que o mundo leia
que você foi morto e/ou vencido.

É preciso vencer terrores
e enfrentar a estrada de testes,
com desafios de terríveis horrores
de sangue, suor, lágrimas e pestes.

O encontro com a Deusa Verdade
ocorre quando a alma do controverso
se reúne à Mãe-Terra, na realidade,
a verdadeira alma do universo.

É necessário encontrar ainda o dia
da redenção da figura do pai cego
e superar a incrustrada fobia
da iniciação destruidora de ego.

Somente assim será possível
obter a desejada benção final,
em que alcançar o segredo indizível
será completar, dos deuses, o ritual.

Mas é preciso ter cuidado permanente,
pois a vitória gera a tentação
de querer gozar eternamente
o êxtase celestial da superação.

E, por isso, é uma necessidade
realizar o vôo mágico da volta à cidade
para apresentar à sociedade
o elixir descoberto da felicidade.

O mais difícil, porém, ainda virá
com o confronto dos limites de outrora,
pois o herói totalmente mudará
com o simples decurso da história...

as coisas jamais poderão voltar
a ser como eram antes da passagem,
pois, por sua própria porta, adentrar
é a mais difícil de todas as viagens.

A jornada do herói é a transformação
da consciência de cada indivíduo são,
que vai se descobrir finalmente vivo,
revelando-se Mitras, Buda e Cristo.

Praia do Forte, 08 de março de 2011.


segunda-feira, 13 de junho de 2011

A Gente se acostuma...

A Gente se acostuma...

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas em redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz.
E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz.
E não aceitando as negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra,
dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer fila para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar
nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes,
a abrir revistas e ver anúncios.
A ligar a televisão e assistir comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável
catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.
Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
À contaminação da água do mar.
À lenta morte dos rios.
Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada,
a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé,
a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando
uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo
e ainda satisfeito porque tem sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, gasta, de tanto se acostumar,
se perde de si mesma.

Marina Colassanti


domingo, 12 de junho de 2011

Minha Homenagem às Mulheres

Minha Homenagem às Mulheres

Rodolfo Pamplona Filho
Se existe algo mais perfeito
do que a beleza da mulher
ganhará não só o meu respeito,
mas também minha adoração e fé,

pois somente uma obra divina,
que deve ser reverenciada,
pode ter mais perfeita sina
do que o encanto da mulher amada.

O fascínio feminino importa
muito mais que um físico atrativo:
é o conjunto completo de uma obra,
que deixa qualquer um cativo!

A inteligência, a perspicácia,
a sutileza, o instinto,
a elegância, a espontaneidade,
o sorriso, o carinho.

Todas as mulheres são lindas!
Embora algumas não expressem
toda a delicadeza
de sua infinita grandeza.

Todas as mulheres são lindas!
Falta a muitos homens
a efetiva sensibilidade
para perceber sua complexidade.

Dizem que, atrás de um grande homem,
há sempre uma grande mulher...
Isto é um engano monumental,
pois ela nunca estará no final,

mas, sim, o caminho inspirando
ou espiritualmente comandando
o passo a ser dado ou verbo a ser dito,
a ação cantada ou verso a ser escrito...

pois nada do que o homem tentar
será feito para seu próprio prazer:
haverá sempre uma musa a encantar
as etapas de seu íntimo querer.

Praia do Forte, 08 de março de 2011.

sábado, 11 de junho de 2011

Aqui, No Labirinto, de Jorge Luis Borges


Aqui, No Labirinto



Nunca haverá uma porta. Estás cá dentro
E a fortaleza abarca o universo
E não possui anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor do teu caminho
Que obstinado se bifurca noutro,
E obstinado se bifurca noutro,
Tenha fim. É de ferro o teu destino
Como o juiz. Não esperes a investida
Do touro que é um homem, cuja estranha
Forma plural dá horror à maranha
De interminável pedra entretecida.
Não existe evasão. Nada te espera.
Nem no negro crepúsculo a fera.

Jorge Luis Borges


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Hora H

Hora H

Rodolfo Pamplona Filho
O que é realmente brochar?
Pouco importa, é falhar
justamente na hora H,
em que a bola foi levantada,
a oportunidade foi lançada
e a chance foi desperdiçada.

Não há desculpa que baste
ou manto que cubra a vergonha
e a vontade que se mate
aquele que jamais sonha
não conseguir realizar
o desejo de todo macho alpha.

E o unico consolo presente
é se este acidente
(ou falha constante)
ocorrer com alguém especial
para quem você seja mais que um pau,
mesmo sentindo falta do gozo real.

E a sua efetiva esperança
é que seja realmente um fato isolado,
fruto de grilos, coelhos ou elefantes
escondidos em seu armário mental,
em que ninguém consegue penetrar
sem descobrir qual seu verdadeiro mal.
Orlando, 28 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Outro poema dos dons, de Jorge Luis Borges


Outro poema dos dons


Quero dar graças ao divino
Labirinto dos efeitos e das causas
Pela diversidade das criaturas
Que forma este singular universo,
Pela razão, que não cessará de sonhar
Com um plano do labirinto,
Pelo rosto de Helena e pela perseverança de Ulisses,
Pelo amor, que nos deixa ver os outros
Como os vê a divindade,
Pelo firme diamante e pela água solta,
Pela álgebra, palácio de precisos cristais,
Pelas místicas moedas de Ângelo Silésio,
Por Schopenhauer,
Que talvez tenha decifrado o universo,
Pelo fulgor do fogo
Que nenhum ser humano pode olhar sem um assombro antigo,
Pela caoba, pelo cedro e pelo sândalo,
Pelo pão e pelo sal,
Pelo mistério da rosa
Que prodigaliza cor e que não a vê,
Por certas vésperas e dias de 1955,
Pelos duros tropeiros que na planície
Arreiam os animais e a alva,
Pela manhã em Montevidéu,
Pela arte da amizade,
Pelo último dia de Sócrates,
Pelas palavras que em um crepúsculo se disseram
De uma cruz a outra cruz,
Por aquele sonho do Islã que abarcou
Mil noites e uma noite,
Por aquele outro sonho do inferno
Da torre de fogo que purifica
E das estrelas gloriosas,
Por Swedenborg,
Que conversava com os anjos nas ruas de Londres,
Pelos rios secretos e imemoriais
Que convergem em mim,
Pelo idioma que, faz séculos, falei na Nortúmbria,
Pela espada e pela harpa dos saxões,
Pelo mar, que é um deserto resplandecente
E uma cifra de coisas que não sabemos
E um epitáfio dos vikings,
Pela música verbal da Inglaterra,
Pela música verbal da Alemanha,
Pelo ouro, que relumbra nos versos,
Pelo épico inverno,
Pelo nome de um livro que não li:
Gesta Dei per Francos,
Por Verlaine, inocente como os pássaros,

Pelo prisma de cristal e pelo peso de bronze,
Pelas raias do tigre,
Pelas altas torres de São Francisco e da ilha de Manhattan,
Pela manhã no Texas,
Por aquele sevilhano que redigiu a Epístola Moral
E cujo nome, como ele teria preferido, ignoramos,
Por Sêneca e Lucano, de Córdoba,
Que antes do espanhol escreveram
Toda a literatura espanhola,
Pelo geométrico e bizarro xadrez,
Pela tartaruga de Zenão e pelo mapa de Royce,
Pelo aroma medicinal dos eucaliptos,
Pela linguagem, que pode simular a sabedoria,
Pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado,
Pelo costume,
Que nos repete e nos confirma como um espelho,
Pela manhã, que nos depara a ilusão de um princípio,
Pela noite, sua treva e sua astronomia,
Pelo valor e pela felicidade dos outros,
Pela pátria, sentida nos jasmins
Ou numa velha espada,
Por Whitman e Francisco de Assis, que já escreveram o poema,
Pelo fato de que o poema é inesgotável
E se confunde com a soma das criaturas
E não chegará jamais ao último verso
E varia segundo os homens,
Por Frances Haslam, que pediu perdão a seus filhos
Por morrer tão devagar,
Pelos minutos que precedem o sono,
Pelo sono e pela morte,
Esses dois tesouros ocultos,
Pelos íntimos dons que não enumero,
Pela música, misteriosa forma do tempo.


Jorge Luis Borges

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Vergonha de ser Feliz

Vergonha de ser Feliz

Rodolfo Pamplona Filho

De repente,
finalmente,
você percebe
que já deve
ter conseguido
e produzido
tudo o que quis...

mas, estranhamente,
você só sente
um gosto estranho,
quase tacanho,
de quem não sonha
e tem vergonha
de ser feliz.

Olhando para o chão,
quando deveria estar alegre...
Vivendo em lamentação,
como se ardesse em febre...
Reclamando sem explicação,
sendo impossível ser alegre
quando seu humor está por um triz...

Algum dia, você aprenderá
que o mundo é maior
do que seu medo de brilhar
e que o destino é melhor
que o mau olhado a fulminar
tudo de bom, sem dó,
por não viver o que se diz...
São Paulo, 19 de fevereiro de 2011

terça-feira, 7 de junho de 2011

HABEAS CORPUS

HABEAS CORPUS
Marta Torres

Excelentíssimo Senhor Juiz,
Venho
por meio deste
solicitar
solicitar não! Requerer
suplicar, pedir, rogar, implorar
enfim, clamar sua misericórdia.

Oh, Senhor Juiz,
liberta o Sr. Sentimento!
Ele não fez nada de ilícito
Não roubou, não matou
não fingiu nem falsificou
Mas mesmo assim foi aprisionado
neste calabouço frio e sem cor.

Abuso de autoridade, excelência!
Não se pode cometer tamanha injustiça com tão nobre Sentimento
É certo que ele resistiu à prisão
Mas não se tratou de desobediência
pois era manifestamente ilegal seu fundamento
A autoridade não utilizou o in dubio pro reo
para restringir sua liberdade
quando na dúvida deveria ter deixado o puro Sentimento
defender-se e mostrar sua inocência

Só quem está preso pode dizer
O quão frio e triste é a solidão
Não vê o sol sem ser quadrado
Perdendo os momentos únicos de enxergar suas cores
Sem perceber a felicidade que se esvai com a inércia

Por isso, Senhor Juiz
Abre as portas ao Sr. Sentimento
Não restrinja a vida de quem nasceu para o bem
Para iluminar aqueles que o conhecem
Para transformar-se diariamente e aprender coisas novas
Para mudar o mundo.

Como única e exclusiva instância
Peço-lhe que aja com equidade
Busque os princípios, mas não analogias ou precedentes
Pois o caso é único e irrepetível
Julgue com a mais profunda emoção
Pois a razão nem sempre soluciona adequadamente a lide
Já que a lógica não explica as questões mais essenciais do ser.

Pense, Senhor Juiz
Reflita com carinho sobre a situação do Sr. Sentimento
E, por ser da mais lídima justiça
Acolhe, pois, esta singela petição
E, enfim, dá-lhe deferimento.

27/12/2005

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Mais um pouco de Fernando Pessoa




" Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios,incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos..
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."

(Fernando Pessoa)

domingo, 5 de junho de 2011

Sentindo Falta

Sentindo Falta

Rodolfo Pamplona Filho

A distância aterroriza.
Meu corpo se rende
à insuperável fadiga
do contato sem resposta
e pede, aos poucos,
que durma profundamente
sem pensar no tempo...

Ah, o tempo... este insiste em não parar...
Penso que, por um lado, é bom que corra,
pois haverá a esperança de cessar a sensação...
mas, por outro ângulo, imagino quanto estou a perder...
as prioridades mudam, os desejos também...
com o cair dos grãos da ampulheta
ou a badalada do velho relógio da sala...

A cabeça pára.
Logo, o corpo padece
do viço de viver, da mania de sonhar...
Determinadas coisas não se explicam.
A alma sente, o corpo reage
do jeito mais previsível
e a boca silencia.

Fico com dúvidas sem sentido.
Pairam como fantasmas
que, no fundo, não existem.

Tenho medo, muito medo
de tomar iniciativas
sem perspectiva de volta...

Cobro-me coragem,
mas, no fim, opto em decidir
apenas o estritamente necessário.

Meu amor e dores se misturam
e não sei mais viver sem os dois.
Espero que o destino me encontre.

Salvador, 05 de março de 2011.