Ouvido Absoluto: As Canções a Seu Tempo
Patrícia Plumbo
No final do ano assistimos na tv Ivete Sangalo ladeada por dois dos maiores ícones vivos da música popular, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Grande parte do repertório da autoria deles com destaque para a belíssima Atrás da Porta, de Chico Buarque, como um dos pontos altos do programa. Ivete saiu-se bem. Cantou bonito, na intenção certa e emocionou platéia e colegas mesmo correndo o risco iminente da comparação com Elis Regina.
O desfile de clássicos acabou suscitando um debate acalorado entre meus amigos e eu sobre a natureza genial dos compositores ali presentes e a novissima geração que estamos vendo surgir. É lugar comum dizer que não se fazem mais canções como aquelas, que a poesia contida na produção contemporânea é rasa se comparada ao lirismo de Drão, Super Homem, Amor Até o Fim, Tá Combinado, Tigresa, pra citar algumas que fizeram parte do especial e indo mais longe o que dizer dos versos de Vinicius de Moraes, de Lupicínio, Cartola e outros mestres.
Bom, meu argumento a favor da canção comtemporânea é simples, toda canção reflete seu tempo, tem contexto histórico e é a partir daí que é possivel fazer juizo de valor. Como comparar a dor de cotovelo de um Antonio Maria que viveu nos anos 50 quando desfazer um casamento era um crime com punição social máxima com a leveza de um jovem como Thiago Pethit que vive num tempo com toda a liberdade de amar quer quiser? Vamos as versos: “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor…”. – Antonio Maria; ou Valsa de Eurídice, de Tom Jobim e Vinicius: “oh, meu amado não parta, não parta de mim, ah, uma ternura que não tem fim…. ”.
Agora, Mapa Mundi, de Thiago Pethit: “me escreva uma carta sem remetente, só o necessario e se está contente, tente lembrar quais eram os planos, se nada mudou com o passar dos anos…e me pergunte o que será do nosso amor…”. Pra ser menos radical na diferença vamos pra Jards Macalé e Wally Salomão com Vapor Barato nos anos 70 quando a liberdade era uma bandeira: “vou descendo por todas as ruas e vou tomar aquele velho navio, eu não preciso de muito dinheiro, graças a deus, e não me importa, honey…”. Voltando algumas décadas vamos lembrar de outro tipo de romance retratado na belissima Último Desejo de Noel Rosa – “Nosso amor que não esqueço e que teve o seu começo numa festa de São João, morre hoje sem foguete, sem retrato, sem bilhete, sem luar, sem violão…” Pra nossa tristeza, quem é que começa nesses anos 2000 e tanto uma história de amor com retrato e bilhete
No meio da discussão apareceu uma outra questão bastante comum, onde estão os genios dessa geração? Se temos Chico, Gil, Caetano, Jobim, Noel, o que vem agora? O que virá depois? Continuo com meu determinismo histórico, não precisamos de gênios. Temos excelentes compositores, e até em maior número do que nas geracões anteriores. Com a disseminação da música pela internet, com a facilidade de acesso aos meios de produção, não há 3 ou 4 grandes nomes para a década, mas muitos.
Listo aqui alguns artistas com ótimas letras: o já citado Thiago Pethit, Rodrigo Campos, Tulipa Ruiz, Marcelo Camelo, Lirinha, Ava Rocha, Junio Barreto. Numa época em que casar e descasar é sazonal, o amor é Só Sei Dançar Com Você: “você sacou a minha esquizofrenia e maneirou na condução, toda vez que eu errava você dizia pra eu me soltar porque você me conduzia …” como canta Tulipa.
Os anos 50 foram difíceis pro amor, os 60 e 70 pra liberdade, os 80 uma espécie de compasso de espera, nos anos 90 se consolida a diversidade e agora colhemos os frutos de tudo isso. Tem poesia com profundidade e erudição nos versos de Lirinha mas também uma jovem que dança pra espantar a dor. Tem o fim da solidão de Marcelo Camelo e o amanhecer espantado com os preços da cidade de Ava Rocha. Só que é espalhado, diluido, solto por aí. Não está na televisão.
Mais que nunca é com ouvido esperto e curioso que se ouve e se descobre a boa música. Como disse uma vez Arnaldo Antunes, não tem porque termos saudades dos movimentos. O melhor é sempre o que nos emociona e de maneira geral o que mais emociona é o que nos traduz. Cada canção a seu tempo
O desfile de clássicos acabou suscitando um debate acalorado entre meus amigos e eu sobre a natureza genial dos compositores ali presentes e a novissima geração que estamos vendo surgir. É lugar comum dizer que não se fazem mais canções como aquelas, que a poesia contida na produção contemporânea é rasa se comparada ao lirismo de Drão, Super Homem, Amor Até o Fim, Tá Combinado, Tigresa, pra citar algumas que fizeram parte do especial e indo mais longe o que dizer dos versos de Vinicius de Moraes, de Lupicínio, Cartola e outros mestres.
Bom, meu argumento a favor da canção comtemporânea é simples, toda canção reflete seu tempo, tem contexto histórico e é a partir daí que é possivel fazer juizo de valor. Como comparar a dor de cotovelo de um Antonio Maria que viveu nos anos 50 quando desfazer um casamento era um crime com punição social máxima com a leveza de um jovem como Thiago Pethit que vive num tempo com toda a liberdade de amar quer quiser? Vamos as versos: “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor…”. – Antonio Maria; ou Valsa de Eurídice, de Tom Jobim e Vinicius: “oh, meu amado não parta, não parta de mim, ah, uma ternura que não tem fim…. ”.
Agora, Mapa Mundi, de Thiago Pethit: “me escreva uma carta sem remetente, só o necessario e se está contente, tente lembrar quais eram os planos, se nada mudou com o passar dos anos…e me pergunte o que será do nosso amor…”. Pra ser menos radical na diferença vamos pra Jards Macalé e Wally Salomão com Vapor Barato nos anos 70 quando a liberdade era uma bandeira: “vou descendo por todas as ruas e vou tomar aquele velho navio, eu não preciso de muito dinheiro, graças a deus, e não me importa, honey…”. Voltando algumas décadas vamos lembrar de outro tipo de romance retratado na belissima Último Desejo de Noel Rosa – “Nosso amor que não esqueço e que teve o seu começo numa festa de São João, morre hoje sem foguete, sem retrato, sem bilhete, sem luar, sem violão…” Pra nossa tristeza, quem é que começa nesses anos 2000 e tanto uma história de amor com retrato e bilhete
No meio da discussão apareceu uma outra questão bastante comum, onde estão os genios dessa geração? Se temos Chico, Gil, Caetano, Jobim, Noel, o que vem agora? O que virá depois? Continuo com meu determinismo histórico, não precisamos de gênios. Temos excelentes compositores, e até em maior número do que nas geracões anteriores. Com a disseminação da música pela internet, com a facilidade de acesso aos meios de produção, não há 3 ou 4 grandes nomes para a década, mas muitos.
Listo aqui alguns artistas com ótimas letras: o já citado Thiago Pethit, Rodrigo Campos, Tulipa Ruiz, Marcelo Camelo, Lirinha, Ava Rocha, Junio Barreto. Numa época em que casar e descasar é sazonal, o amor é Só Sei Dançar Com Você: “você sacou a minha esquizofrenia e maneirou na condução, toda vez que eu errava você dizia pra eu me soltar porque você me conduzia …” como canta Tulipa.
Os anos 50 foram difíceis pro amor, os 60 e 70 pra liberdade, os 80 uma espécie de compasso de espera, nos anos 90 se consolida a diversidade e agora colhemos os frutos de tudo isso. Tem poesia com profundidade e erudição nos versos de Lirinha mas também uma jovem que dança pra espantar a dor. Tem o fim da solidão de Marcelo Camelo e o amanhecer espantado com os preços da cidade de Ava Rocha. Só que é espalhado, diluido, solto por aí. Não está na televisão.
Mais que nunca é com ouvido esperto e curioso que se ouve e se descobre a boa música. Como disse uma vez Arnaldo Antunes, não tem porque termos saudades dos movimentos. O melhor é sempre o que nos emociona e de maneira geral o que mais emociona é o que nos traduz. Cada canção a seu tempo
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