sábado, 30 de abril de 2022

Sonho






Quando fecho os olhos me reporto a um paraíso particular


Um lugar real, mas recriado para meus melhores dias...


Nele tenho tudo que um ser humano pode almejar...


A paz, a beleza, e todos os elementos da natureza disponíveis.


Entre toda criação divina existe uma que é a mais especial...


Sem a qual todo o resto nada vale...


Nada absolutamente nada é mais divino que sua presença.


É a verdade mais real do meu sonho.


O mais possível...


O que mais desejo...


Tereza Amaral

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Paixão e Paz

 




Paixão sem paz
Paz sem paixão
O que pesa mais
na balança de uma vida?

Paixão impulsiona
e tensiona
em direção
à intensidade

Paz purifica
e edifica
o caminho
da serenidade

Paixão sem paz
Paz sem paixão
Cada uma gera o fruto
do sentimento que lhe é tudo.

Resta saber
se o que se tem
ou o que se busca
é o que se quer
na luta incessante
por um dia ser feliz.

Salvador, 04 de março de 2022.

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Nada

  






Nada é o que me cerca

O vejo em todas as direções!

Nada venta nada se mexe, nada me toca, apenas passa por mim!

Minha alma reflete todo esse nada, como um espelho reflete o sol.

Tudo iluminando como se nada houvesse!

Tantos rostos em trânsito... do nada saem, pro nada vão...

E nada faço para alcançá-los

Gostaria mesmo é de dissipá-los, como se nada fossem...

Como se nada representassem, como se nada fossem no amanhã!

Como se jamais pudesse amá-los ou tão pouco desejá-los, já que nada sou.

E esse meu tempo em que nada acontece, que nada tece, nem padece de ser nada, simples nada.

Eu te procuro e procuro a mim mesma!

Mesmo no escuro me acho em ti

Distante num nada que não é esse daqui.

E disperso... imerso nesse nada...

Ainda procuro tudo que possa achar no escuro

No Nada!


Tereza  Amaral

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Sobre Paixões sem Paz






Viver paixões
atiça sensações
que trazem prazer
a não mais poder,
mas também tensões
que, como leões,
devoram a serenidade
e a paciência, de verdade.

Ninguém suporta viver
durante toda uma vida
uma paixão sem calma
sem sucumbir e morrer,
pois o objetivo de toda lida
é assentar a própria alma

A paixão não é história
de virtude ou qualidade,
não se faz trajetória,
mas, sim, intensidade,
pois toda emoção
tem curta duração

A paixão de Cristo
é sofrimento,
não encantamento
Sob o ímpeto da paixão,
reprimem-se sentimentos
que vêm para confundir
é o que era motivo
para feliz viver
torna-se causa
para nunca mais sorrir…

Salvador, 04 de março de 2022.

terça-feira, 26 de abril de 2022

As faces

 







Quantos somos cada um?

Dentro de nossas verdades?

Quantos somos na nossa metade?

Um par? Talvez três?

Faz de conta, leva a vida...

Ou vive tudo de uma vez.

Quantos somos quando se vive sem amor?

Insanos, cansados...

Simplesmente anestesiados...

Tolos enganados

Achando-se imunes a dor

Certos de que estamos certos

Fixos, herméticos

De olhos cerrados

Quantos somos?

Quantas faces temos?

Quando não somos amados?


Tereza do Amaral


segunda-feira, 25 de abril de 2022

Mulheres de Sol e de Lua





O sol e a lua
e tudo que se cultua
iluminam os caminhos
e os escaninhos
de quem tem o prazer
de os conhecer

Há mulheres solares
que explodem em alegria
nos primeiros raios
do nascer do dia

Há mulheres lunares
que inspiram reflexões
como musas de poemas,
pinturas e canções

A mulher solar é o momento
A mulher lunar é a profecia
A mulher solar diz a que chegou
A mulher lunar antecipa resultados

Toda mulher tem, em si,
o sol e a lua em seu ser
e o momento de decidir
depende só do seu florescer,
energizando
ou animando
cada átomo de seus
poetas, pintores
e compositores

No final das contas,
Elas estão em todos os lugares:
Há mulheres solares
Há mulheres lunares
Todas brilhando suas luzes
em nossas vidas e lares

Rio de Janeiro, 06 de março de 2022.

domingo, 24 de abril de 2022

sábado, 23 de abril de 2022

Criatividade e Caos






Criar é selecionar
elementos do caos
e trazê-los para a ordem

A criatividade
precisa do caos,
mas não pode viver nele
indefinidamente

O caos é
local de passagem
para buscar a matéria-prima
de tudo que é novo

Residir, porém, no caos
sufoca, imobiliza,
trava a reflexão
e tira a paz

Absolutamente tudo
que está disponível
no infinito cosmos
está no caos,
exceto a liga
imprescindível
de qualquer construção:
a ordem.

Salvador, 04 de março de 2022.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

NO ESPELHO


 


Constatei hoje -

não sem um certo prazer - que

Como todos os “anormais”, sou diferente,

Incômoda,

mas indispensável.

 

Mais que igual,

o meu “ser normal”

é estar onde não se deve,

contra a corrente é o meu natural.

Só assim, sei onde estou e o que faço.

 

Só no pano verde

no rolar dos dados,

é que cumpro meu destino.

 

A contabilidade bem feita

nota por nota,

me confunde e deprime,

rodando em torno de um eixo que ignoro

e me apaga.

 

Só os grandes círculos me satisfazem.

Só andando às cegas, chego ao ponto.

Fazer o que, se Deus fez assim?

 

Rir de mim, absurda

entre normais

Só entre os absurdos, encontro iguais.

 

Enquanto arregaço as mangas para a próxima 

Enquanto a vindoura e a que nem vislumbro

Só na desigualdade posso ser igual.

 

Maria Maroca

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Liberdade e Desejo





Em um quadro
de indiferença,
não há desejo

A indiferença
anestesia
e não comunica
ao outro

Em um estado
de restrição,
a liberdade
é valorizada

Liberdade parece
indiferente,
mesmo que não seja
Desejo
definitivamente
não o é

O desejo é individual
e personalizado
A liberdade é do outro,
mas também é pessoal.

Garantir a liberdade
é assegurar que
possa ser feito
até o que não me agrada

O desejo não impõe ao outro
uma obrigação
Mas a liberdade não anula
a expressão do desejo

Dar liberdade
não importa
não sentir nada.
O valor da liberdade
está em permitir
ao outro,
o que ele quer,
sem negar
a sua própria dor
pelo seu desejo
não realizado.

Não se trata,
portanto,
de nega a dor,
mas se garantir
a liberdade,
apesar da dor.

Ao se desejar,
mas garantir a liberdade,
corre-se sempre
o risco da frustração
do íntimo desejo

Ao libertar alguém,
sem deixar de desejar,
corre-se sempre
o risco de que
a expressão da liberdade
não negue
a presença do desejo.

Salvador, 18 de fevereiro de 2022, conversando com Amauri

quarta-feira, 20 de abril de 2022

A DOR DO PARTO




No templo da vida e da morte

Os sacerdotes oficIam o sacrifício

Entre risos,

Pra aliviar a tensão.

 

Empurra, corta, sangra

Agulhas, bisturi

Choro

 

Água, sangue

Pontos, pontos, pontos.

 

Venceu a vida.

 


Maria Maroca

terça-feira, 19 de abril de 2022

Amor e Amar




Não basta amar
para viver o amor

O amor tem
de fazer bem

Não basta amar
para saber o que é o amor

O amor é origem
ou é destino?

Não basta amar
para entender o amor

Cumprir seu dever
é parte da compreensão
mas o tempero afetivo
faz a diferença
na detecção
da reciprocidade

Não basta amar
para sentir o amor

Amor é querer bem
Amar é fazer bem

Salvador, 14 de fevereiro de 2022

segunda-feira, 18 de abril de 2022

VOCÊ NUNCA VAI VER OS BURACOS DAS RUAS DE NOVA YORK Ao Álvaro

 




existem redes de solidariedade

que não se desfazem

 

entre pessoas que passaram, juntas, sede raiva amor miséria alegria Injustiça ódio tempo muito tempo: juntas - amor e dor, alegria e luto, que pensaram e sentiram juntas.

 

Mesmo que não se vejam mais.

Ainda que não pensem como antes.

 

Se me chamam, não questiono.

Estou.



Maria Maroca

domingo, 17 de abril de 2022

Dicotomias






Sisudez e Seriedade
para combater
a arrogância

Simploriedade e Simplicidade
para viver a complicação
no lugar da complexidade

Ingenuidade e Boa Fé
quando faltar
a malícia

Liberdade total
para poder se prender
a quem nos ama livres.

Salvador, 28 de fevereiro de 2022.

sábado, 16 de abril de 2022

Duas Horas ou Da vida








Silêncio. Escuridão.

Um grito

em meio às trevas.


Um grito rápido. Um grito triste.

Lâmina.


Por que rápido? Por que triste?


E de novo o silêncio:

nenhuma explicação.



Péricles Eugênio da S. Ramos


sexta-feira, 15 de abril de 2022

A Melhor Coisa do Mundo







Qual é a melhor coisa do mundo?
Não é viajar
Não é desfrutar
Não é transar
Não é gozar
Não é sorrir
Não é chorar
Não é cantar
Não é desabafar
Não é sequer viver
A Melhor coisa do mundo
é não fazer nada com você

Salvador, 19 de janeiro de 2022.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Se eu soubesse brincar



 





Se
eu tivesse seis anos si soubesse brincar

pedia ao Menino Jesus que viesse me dar

seus brinquedos coloridos


E ele dava mesmo dava tudo

dava brinquedos variados de todas as cores

brinquedos sortidos

dava bolas lustrosas pra mim soltar de noite e

mandar todas pro céu com minha reza


Dava bolas dava quitanda dava balas

e havia de ficar melado, todo doce de minha baba.


E dava homenzinhos, arvinhas, bichinhos, casinhas e

em minhas mãos ingênuas eu tirava o mundo novinho,

cheiroso de cola e verniz, das caixas nurembergue

pra recomeçar deslumbrando a brincadeira da

vida


O Menino Jesus dava tudo si eu fosse menino

si soubesse brincar pra brincar com ele.



Pedro Nava

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Expiação

 









É preciso descer, sucumbir

Ir ao fundo do poço

Como expiação

Não há como se redimir

É perdido todo esforço

É o mergulho no fosso

De toda solidão


É preciso mais que a vida

Esgota-se toda a coragem

É preciso morrer

Deixar a alma desvalida

Sem saída, sem vantagem

Sem volta dessa viagem

Em tudo, desfalecer


É a volta ao pó

À lama, ao desencanto

Ao vazio, ao descontentamento

Ao isolamento, de tudo, só

Sem trégua, sem acalanto

Ninguém lhe enxuga o pranto

Ninguém vê seu tormento


É o tiro certeiro

O golpe no peito

A marca fatal

A tomada por inteiro

Todo o sonho desfeito

Tudo perdido, sem jeito

Na reta final



Paulo Gondim

terça-feira, 12 de abril de 2022

O Sinal




O sinal nos deixou soltos,
O sinal nos deixou sem ar
O sinal nos deixou
ar...rasados.

Salvador, 05 de fevereiro de 2022.

Sobre Amores e Paixões

Amor sem paixão
ou paixão sem paz?

Desejar o intolerável
Ou tolerar o desejável ?

Compor ou competir?
Criar ou construir?

Projetar a imagem
que não vira realidade
ou viver o que se encaixa
com facilidade?

Se eu fosse outro,
seria mais fácil ser eu?
Não, porque eu
Eu não seria…

Salvador, 21 de janeiro de 2022, conversando com Amauri

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Face a face





Vem, que te darei meu último beijo

Fruto de meu último desejo

Desse amor como castigo

Recebe meu último abraço

Como prova do fracasso

Que foram teus dias comigo


Vem, recebe meu último sorriso

E sente o quanto amenizo

Tua dor, tua saudade

Vem, recebe meu último afeto

Goza o abrigo de meu teto

Pois já morre tua vaidade


Vem, sepulta a última quimera

Vês o que foste nessa terra

Apenas desilusão

Descortina teu sorriso triste

Não negue o amor que ainda existe

A quem lhe abriu o coração


Olha para mim

Face a face, assim

Sem trama, sem falsidade

Pela última vez, não finja

Não converta a verdade em cinza

Encare a realidade


Vai, pois te sentes nas alturas

Não temas as sepulturas

Que se abrem para ti

Bate de frente com a morte

Entrega-te à própria sorte

Vês a morte te sorrir



Paulo Gondim

domingo, 10 de abril de 2022

Especial




O que é ser especial?
É ver o mundo
como algo mais profundo
do que um pensamento imundo
de quem não vê lá no fundo
o que se carrega no coração.

O que é ser especial?
Não chame de deficiente
quem expressa o que sente,
ainda que de forma diferente
do que espera a multidão.

O que é ser especial?
No final das contas,
só é mesmo Deficiente
Única e exclusivamente
a mente podre da gente.

Salvador, 29 de janeiro de 2022.

sábado, 9 de abril de 2022

O Caboclo d’Água

 






No lombo de pedra da cachoeira clara

as águas se ensaboam

antes de saltar.

 


E lá embaixo, piratingas, pacus e dourados

dão pulos de prata, de ouro e de cobre,

querendo voltar, com medo do poço

da quarta volta do rio,

largo, tranqüilo, tão chato e brilhante,

deitado a meio bote

como uma boipeva branca.


Na água parada,

entre as moitas de sarãs e canaranas,

o puraquê tem pensamentos

de dois mil volts.

 


À sombra dos mangues,

que despetalam placas vermelhas,

dois botos zarpam, resfolengando,

com quatro jorros,

a todo vapor.

 


E os jacarés cumpridos, de olhos esbugalhados,

soltam latidos , e vão fugindo,

estabanados, às rabanadas, espadanando,

porque do fundo

do grande remanso, onde ninguém acha o fundo,

vem um rugido , vem um gemido,

tão rouco e feio, que as ariranhas

pegam no choro, como meninos.


O canoeiro

que vem no remo, desprevenido,

ouve o gemido e fica a tremer.

É o caboclo d’água,

todo peludo, todo oleoso,

que vem subindo lá das profundas,

e a mão enorme,preta e palmada,

de garras longas,

pega o rebordo da canoinha

quase a virar.


E o canoeiro, de facão pronto,

fica parado, rezando baixo,

sempre a tremer

 


Crescendo d’água ,lá vem a máscara,

negra e medonha,

de um gorila de olhar humano,

o Caboclo d’água

ameaçador.


E o canoeiro já não tem medo,

porque o Caboclo o olhou de frente,

todo molhado,

com olhos tristonhos,rosto choroso,

quase falando,

quase perguntando

pela ingrata Iara,

que, já faz tempo, se foi embora,

que há tantos anos o abandonou...



João Guimarães Rosa

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Poema Maior






 

Onde encontrarei

o nosso Poema Maior?

Nosso Poema Maior reside no coração:

parceria, intimidade e cumplicidade!

Nosso Poema Maior

não precisa ser escrito para existir...

Ele não precisa de tinta e papel...

Nossas mãos tocam mais do que papel:

tocam corações, mentes e almas...

e esse desejo de estar junto

está fadado ao universo,

que conspira e inspira

toda nossa capacidade

de se entregar...

Nosso poema toca esperanças;

toca sonhos; toca lábios;

trocam-se sensações

que nunca antes foram sentidas...


Separados pela vida

e reunidos pelo destino,

seremos um casal

casado em espírito,

mesmo que em casas separadas...

casados no coração,

ainda que dormindo com outros amores...

casados no amor real e puro,

no qual jamais haverá divórcio...


Nunca me entreguei a alguém

como me entrego a você:

meu macho alfa, meu oásis no deserto,

minha enzima, minha fonte de vida,

o alface da minha salada...

A quem mais eu poderia

chamar assim

com tamanho amor?


Nunca fui amada

como sou com você...

e repito mil vezes:

eu te amo como

ninguém jamais te amou,

em todos e vários sentidos,

em todos os versos,

em todas as metáforas

de nosso Poema Maior.

São Paulo, 07 de outubro de 2010.



Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros 


quinta-feira, 7 de abril de 2022

Soneto da separação









De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
 


De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
 


Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.



 Vinicius de Moraes

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Sintonia na Sinfonia

 



A vida pode ser regida 

como uma bela sinfonia, 

em que a precisa sintonia  

de cada protagonista  

seja sempre vista 

como um laço de amor, 

que une dois como se fossem um, 

que não se abandona de jeito algum, 

que é a própria essência do querer, 

que é a única forma de existência do ser. 

 

Salvador, 15 de janeiro de 2021. 

terça-feira, 5 de abril de 2022

Rosário

 





 




E eu que era um menino puro

Não fui perder minha infância

No mangue daquela carne!

Dizia que era morena

Sabendo que era mulata

Dizia que era donzela

Nem isso não era ela

Era uma môça que dava.

Deixava... mesmo no mar

Onde se fazia em água

Onde de um peixe que era

Em mil se multiplicava

Onde suas mãos de alga

Sobre o meu corpo boiavam

Trazendo à tona águas-vivas

Onde antes não tinha nada.

Quanto meus olhos não viram

No céu da areia da praia

Duas estrelas escuras

Brilhando entre aquelas duas

Nebulosas desmanchadas

E não beberam meus beijos

Aqueles olhos noturnos

Luzinho de luz parada

Na imensa noite da ilha!

Era minha namorada

Primeiro nome de amada

Primeiro chamar de filha

Grande filha de uma vaca!

Como não me seduzia

Como não me alucinava

Como deixava, fingindo

Fingindo que não deixava!

Aquela noite entre todas

Que cica os cajus! travavam!

Como era quieto o sossego

Cheirando a jasmim-do-Cabo!

Lembro que nem se mexia

O luar esverdeado.

Lembro que longe, nos longes

Um gramofone tocava,

Lembro dos seus anos vinte

Junto aos meus quinze deitados

Sob a luz verde da lua.

Ergueu a saia de um gesto

Por sobre a perna dobrada

Mordendo a carne da mão

Me olhando sem dizer nada

Enquanto jazente eu via

Como uma anêmona n'água

A coisa que se movia

Ao vento que a farfalhava.

Toquei-lhe a dura pevide

Entre o pêlo que a guardava

Beijando-lhe a coxa fria

Com gosto de cana-brava.

Senti, à pressão do dedo

Desfazer-se desmanchada

Como um dedal de segredo

A pequenina castanha

Gulosa de ser tocada.

Era uma dança morena

Era uma dança mulata

Era o cheiro de amarugem

Era a lua cor de prata

Mas foi só aquela noite!

Passava dando risada

Carregando os peitos loucos

Quem sabe pra quem, quem sabe!

Mas como me perseguia

A negra visão escrava

Daquele feixe de águas

Que sabia ela guardava

No fundo das coxas frias!

Mas como me desbragava

Na areia mole e macia!

A areia me recebia

E eu baixinho me entregava

Com medo que Deus ouvisse

Os gemidos que não dava!

Os gemidos que não dava

Por amor do que ela dava

Aos outros de mais idade

Que a carregaram da ilha

Para as ruas da cidade.

Meu grande sonho da infância

Angústia da mocidade.


Vinícius de Moraes