No lombo de pedra da cachoeira clara
as águas se ensaboam
antes de saltar.
E lá embaixo, piratingas, pacus e dourados
dão pulos de prata, de ouro e de cobre,
querendo voltar, com medo do poço
da quarta volta do rio,
largo, tranqüilo, tão chato e brilhante,
deitado a meio bote
como uma boipeva branca.
Na água parada,
entre as moitas de sarãs e canaranas,
o puraquê tem pensamentos
de dois mil volts.
À sombra dos mangues,
que despetalam placas vermelhas,
dois botos zarpam, resfolengando,
com quatro jorros,
a todo vapor.
E os jacarés cumpridos, de olhos esbugalhados,
soltam latidos , e vão fugindo,
estabanados, às rabanadas, espadanando,
porque do fundo
do grande remanso, onde ninguém acha o fundo,
vem um rugido , vem um gemido,
tão rouco e feio, que as ariranhas
pegam no choro, como meninos.
O canoeiro
que vem no remo, desprevenido,
ouve o gemido e fica a tremer.
É o caboclo d’água,
todo peludo, todo oleoso,
que vem subindo lá das profundas,
e a mão enorme,preta e palmada,
de garras longas,
pega o rebordo da canoinha
quase a virar.
E o canoeiro, de facão pronto,
fica parado, rezando baixo,
sempre a tremer
Crescendo d’água ,lá vem a máscara,
negra e medonha,
de um gorila de olhar humano,
o Caboclo d’água
ameaçador.
E o canoeiro já não tem medo,
porque o Caboclo o olhou de frente,
todo molhado,
com olhos tristonhos,rosto choroso,
quase falando,
quase perguntando
pela ingrata Iara,
que, já faz tempo, se foi embora,
que há tantos anos o abandonou...
João Guimarães Rosa