sábado, 22 de outubro de 2022

Quando eu não te tinha




 Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...

Agora amo a Natureza

Como um monge calmo à Virgem Maria,

Religiosamente, a meu modo, como dantes,

Mas de outra maneira mais comovida e próxima.

Vejo melhor os rios quando vou contigo

Pelos campos até à beira dos rios;

Sentado a teu lado reparando nas nuvens

Reparo nelas melhor...

Tu não me tiraste a Natureza...

Tu não me mudaste a Natureza...

Trouxeste-me a Natureza para ao pé de mim.

Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,

Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,

Por tu me escolheres para te ter e te amar,

Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente

Sobre todas as cousas.

Não me arrependo do que fui outrora

Porque ainda o sou.

Só me arrependo de outrora te não ter amado.


(Alberto Caeiro – Heterônimo de Fernando Pessoa)

Nenhum comentário:

Postar um comentário