"Já fiquei
doze anos sem publicar um livro. Meu último saiu há onze anos. Poesia não nasce
pela vontade da gente, ela nasce do espanto, alguma coisa da vida que eu vejo e
que não sabia. Só escrevo assim. Estou na praia, lembro do meu filho que morreu.
Ele via aquele mar, aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um
poema… Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos. Não dá para escrever um
poema sobre qualquer coisa. O mundo aparentemente está explicado, mas não está.
Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma
explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se
revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser
poesia.
Com o
avanço da idade, diminuem a vontade e a inspiração. A gente passa a se espantar
menos. Tem poeta que não se espanta mais, mas insiste em continuar escrevendo,
não quer se dar por vencido. Então ele começa a escrever bobagens ou coisas sem
a mesma qualidade das que produzia antes. Saber fazer ele sabe, mas é só
técnica, falta alguma coisa. Não se faz poesia a frio. Isso não vai acontecer
comigo. Sem o espanto, eu não faço. Escrever só para fazer de conta, não faço.
Eu vou morrer. O poeta que tem dentro de mim também. Tudo acaba um dia. Quando o
poeta dentro de mim morrer, não escrevo mais. Não vou forçar a barra. Isso não
vai acontecer. Toda vez que publico um livro, a sensação que tenho é de que
aquele é o definitivo. Escrever um poema para mim é uma grande felicidade. Se
não acontecer, não aconteceu."(Ferreira Gullar)
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