Não
perguntamos ao sonhador por que está sonhando, não requeremos do pensador as
razões do seu pensar, mas de um e de outro quereríamos conhecer aonde os
levaram, ou levaram eles, o sonho e o pensamento, aquela pequena constelação de
brevidades… Porém, ao poeta-sonho e pensamento reunidos não se lhe há de exigir
que nos venha explicar os motivos, desvendar os caminhos e assinalar os
propósitos. O poeta, à medida que avança, apaga os rastos que foi deixando, cria
atrás de si, entre os dois horizontes, um deserto, razão por que o leitor terá
de traçar e abrir, no terreno assim alisado, uma rota sua, pessoal, que no
entanto jamais se justaporá, jamais coincidirá com a do poeta, única e
finalmente indevassável. Por sua vez o poeta, tendo varrido os sinais que,
durante um momento, marcaram não só o carreiro por onde veio, mas também as
hesitações, as pausas, as medições da al tura do sol, não saberia dizer-nos por
que caminho chegou aonde agora se encontra, parado no poema ou já no fim dele.
Nem o leitor pode repetir o curso do poeta, nem o poeta poderá reconstruir o
percurso do poema: o leitor interrogará o poema feito, o poeta não pode senão
renunciar a saber como o fez.
(trecho do prefácio de José Saramago ao livro O
Menino e o Travesseiro, de Horácio Costa, ed. Geração Editorial, pg8)
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