Excluída
A Ana me ligou no final da tarde de sexta: “E aí, você vem?”
Eu não fazia ideia sobre o que ela estava falando. Foi então que a Ana se deu conta de que eu não estava no Facebook, portanto, não sabia da festa que a turma havia armado. Como eu não havia me pronunciado, ela resolveu ligar para saber se eu estava viva.
O cerco está apertando. Antes eu trocava e-mails com os amigos com uma certa frequência, agora todos debandaram, só um ou outro lembra que eu não estou nas redes sociais e faz a caridade de me manter informada sobre o que acontece no universo.
Não tenho vontade de ter perfil em lugar algum (e mesmo assim tenho, criados e postados por pessoas que não sei quem são). Instagram, twitter, whatsapp, nada disso me seduz, não conseguiria tempo para esse contato eletrizante. Ainda me custa compreender pessoas que deixam o iPhone sobre a mesa do restaurante, que precisam fotografar cada minuto vivido, que desmaiam quando esquecem o celular em casa. Eu deveria ter me alistado na expedição de colonização de Marte, onde certamente eu me sentiria menos deslocada do que aqui na Terra.
Mas não me alistei, então terei que me ajustar à nova ordem social do meu planeta.
Óbvio que a tecnologia não é a vilã da história, e sim o uso obsessivo que se faz dela. Para quem tem autocontrole, esses gadgets são fascinantes por seu dinamismo, modernidade, capacidade de agregação, de agilização de tarefas, e ainda resolvem a questão do anonimato, com o qual ninguém mais quer lidar. As redes transformaram palco e plateia numa coisa só: todos são espectadores de todos, ao mesmo tempo que possuem um holofote sobre si. Já que existir virou sinônimo de “quantos me curtem”, a população mundial conseguiu um jeito de ficar quite com o próprio ego.
É muito provável que eu estivesse nas redes caso não escrevesse colunas em jornais. Como tenho esse canal de expressão semanalmente, não me faz falta outros. Ou não fazia. Estou nesse impasse agora: devo mergulhar com mais profundidade no mundo virtual? Reconheço três vantagens: acompanhar o que meus amigos andam tramando nas minhas costas, me atualizar com mais rapidez e oferecer aos meus leitores um perfil oficial. Além de me sentir menos mumificada.
Será isso que chamam de “se reinventar”?
Ando cada vez mais próxima da filosofia budista, exalto a desaceleração, prezo uma boa conversa, adoro ter tempo para meus livros, meu silêncio, minhas caminhadas. Não sinto falta de saber mais, de ter mais acesso à informação, de conhecer mais gente. Por outro lado, não quero me isolar dos amigos nem ficar sem assunto com eles – e com o mundo.
Que dúvida. Pela primeira vez, reflito sobre algo que, numa era em que se debate tudo, pouco se fala: o nosso direito de ser indiferente.
Martha Medeiros (revista O
GLOBO de 20/10/2013)
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