domingo, 16 de setembro de 2012

Cuidado para não ser o próximo palitinho!


Cuidado para não ser o próximo palitinho!

Eram duas amigas que há muito tempo não se encontravam. Resolveram marcar um almoço na segunda. Quase uma hora depois do combinado as duas finalmente se reconhecem. Joana havia terminado o noivado e passou a achar que o bolo de chocolate era companhia muito melhor. Um piscar de olhos e já eram vinte quilos a mais. Tinha certeza que era praga do Juvenal.

Mas o incrível mesmo era como a Alice estava magra! Quem diria que seu apelido na escola era Priscila, numa homenagem carinhosa àquela cachorra gordinha que apresentava o programa TV Colosso. É preciso dizer que colossal mesmo era o tanto que ela comia. Os meninos faziam aposta para saber se ela gostava mais do Marquinhos ou do hambúrguer que ele pagava pra ela na hora do intervalo. Alguns ainda apresentavam o Seu Tadeu como uma terceira opção. Era dele a banquinha de doces que ficava na esquina da rua.

Enfim, não se sabe como e nem porquê. Poder-se-ia dizer que as respostas são muito simples. Mas para elas o fato de seus corpos terem se invertido como num passe de mágica era um mistério a ser desvendado. Conversavam animadamente nos momentos em que Joana parava de comer. Alice sentia que estava em meio à um monólogo, contando os trágicos acontecimentos de sua vida. Contou sobre tudo, desde os traumas da infância que lhe fizeram entrar num grupo conhecido como Filhos do Sol, que na condição de “seres superiores” acreditavam que só a luz solar era suficiente para lhes dar energia. A experiência lhe valeu quinze dias de coma e dez quilos a menos. Então, havia servido ao fim almejado.

Quando acordou do coma, Alice pensou que estava no céu. Não acreditava na beleza daquele anjo vestido de branco, cujo crachá estava escrito Lucas. Mas como nunca tinha ouvido dizer que anjo portava crachá, levantou-se de um sobressalto e perguntou há quantos dias estava sem tomar banho. Lucas deu um sorriso torto. Depois, poderia ter acontecido aquilo que todo mundo quer que aconteça quando dois seres predestinados se encontram. Mas Lucas era gay. E fim de papo.

Enfim, depois das dietas da lua, do queijo, da água, do xixi, do laxante, do limão, da luz, do amor (sim, porque tem quem acha que pode viver de amor, e Alice existe para provar que isso não é possível), Alice conseguiu finalmente ficar com o corpo da Gisele Bundchen, caso a modelo tivesse vinte centímetros a menos de altura.

Ela parou com todos os regimes no dia em que não precisou mais comprar suas roupas nas lojas com tamanhos especiais. Era especialmente ridículo ter de entrar alí, e se deparar com todas aquelas vendedoras magras que fingiam já terem sido gordas só para dizer que entendiam o que ela estava sentindo. Mas elas nunca vão entender como é triste pensarem que você é gótica só porque veste preto todos os dias. Nem todos os magros sabem que preto “emagrece”.

Quando Joana terminou de comer o bife à parmegiana, Alice já havia parado de falar, cedendo a vez à amiga. Mentalmente, ela começou a criar teorias para saber onde a amiga havia colocado o frango desossado que comeu sozinha antes da paella. Procurou na bolsa, olhou embaixo da mesa... nada! Chegou à conclusão de que a barriga da Joana havia criado mecanismos para armazenar toda aquela comida. Seria impossível mandar tudo embora de uma só vez.

Finalmente, depois de “experimentar” todas as sobremesas de chocolate disponíveis no restaurante Joana deu-se por satisfeita. E mais satisfeito ainda ficou o garçom que já estava duvidando que aquela freguesa realmente teria dinheiro para pagar a conta. A única coisa que ele sabia é que ela não tinha como ir embora correndo. Mas ia ficar de olho só por precaução.

Joana começou a contar sua vida. Alice atentou-se a cada detalhe, para saber qual foi o ingrediente causador daquele “inchaço” instantâneo. Por incrível que pareça o ingrediente era o Juvenal, e a dona Célia da padaria...

Tudo começou há aproxidamente dois anos, quando Juvenal convocou a família toda para o aniversário da Joana. Ela sabia que ele não dava ponto sem nó, e tinha certeza de que o malandro queria fazer uma média com a parentada porque no aniversário da Joana quem pagava a conta era ela. E no dele, era ela também.

Mas para sua surpresa, no meio do evento Juvenal bate com a colher na taça de chopp para pedir a palavra, quebrando-a no meio. Joana pediu desculpas a sí mesma por estar namorando aquele brutamontes, mas continuou ouvindo.

Meia hora depois, quando Joana já estava quase dormindo, eis que a Teca dá-lhe um cutucão e comunica, com muito pesar, que a amiga agora era noiva do Juvenal. E que deveria comprar as alianças.

Teve que mandar fazer o anel de noivado, porque seu dedo, de tão fininho, ficou sambando no dezesseis. Odiava as palavras fininho, palitinho, magrelinho... Morria de vergonha de colocar biquini e desfilar a moda caveira-verão.

Aos quinze anos, pesava quarenta e oito quilos. Dez anos depois, havia conseguido engordar quinhentos gramas às custas de um fortificante importado.

Certa tarde, ao entrar na padaria para comprar os seis pães que ela comia no café-da-manhã, Joana encontrou o Juvenal no maior trelelê com a dona Célia. Sempre acreditou que a dona Célia fosse “forte” daquele jeito por causa da broa que comia todo dia de sobremesa no almoço. Fez a experiência em casa, mas fracassou. Quando foi à farmácia verificar o peso, havia emagrecido cem gramas. E olha que estava com roupa de frio.

Juvenal ficou meio assustado com o flagrante, e tratou logo de disfarçar. Contou pra dona Célia do noivado e mostrou a aliança. Só omitiu o detalhe de que foi a Joana quem pagou por elas. Ele tinha um certo orgulho.

Na saída da padaria, Juvenal e Joana voltaram caminhando. Ela adoraria ter um carro apenas para evitar de perder alguns gramas com a caminhada. Joana falou de como a dona Célia era sortuda por ter todas aquelas curvas. Juvenal concordou em gênero, número e pensamento.

Não é que ele achasse feio a noiva ser magrinha daquele jeito. Mas faltava-lhe um pouco de carne. E se ela adoecesse? Ia virar um palitinho. Mas ela já era um palitinho e isso lhe ofendeu profundamente.

Decidiu que iria comprar um carro e evitar ao máximo se deslocar a pé. Se fosse preciso tiraria férias só para comer e dormir o dia inteiro. Iria ficar bem bacana, pro Juvenal ficar de queixo caído.

Na sexta feira, meia hora depois do almoço, Joana foi até a padaria comprar um bolo de chocolate para a sobremesa. Se ela soubesse o que ia acontecer a partir daquele dia, preferiria mil vezes continuar magrinha. Só que o destino não quis assim.

O canalha do Juvenal estava apertando tanto a dona Célia que nínguém sabia quando começava um e terminava o outro. Um amasso só. Foi quando Joana chegou até o caixa segurando os três bolos de chocolate que estavam na prateleira, querendo deixar mais três de encomenda. O Juvenal ficou tão assustado que perdeu a fala. Dona Célia por pouco não cobrava os bolos, mas ela sabia que essa atitude só iria admitir sua culpa.

A partir daquele dia Joana jogou fora a aliança e começou vida nova. Ela não podia deixar de frequentar a padaria porque ninguém fazia sonhos como a dona Célia. Logo ela que havia transformado a vida da Joana num pesadelo.

Até que um dia, Joana decidiu que comeria apenas os bolos de chocolate da dona Célia. Conseguiu ficar mais encorpada do que nunca.

Sentindo pena da amiga, Alice apenas lhe perguntou se Juvenal já havia visto a nova Joana. - Viu sim, mas acho que não me reconheceu. Eu também demorei um tempo para perceber que era ele. Você precisava ver. Tá um palitinho...

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