domingo, 23 de setembro de 2012

LIGADURA E VASECTOMIA NO CORAÇÃO

LIGADURA E VASECTOMIA NO CORAÇÃO
Pintura de Philip Guston


Fabrício Carpinejar





Uma das explicações mais recorrentes para desistir ou enfraquecer um amor é que não se quer sofrer. Pelo receio de sofrer, a maioria deixa de se jogar, de se soltar, de acreditar na paz que vem com toda a tormenta. Pelo receio de sofrer, a maioria antecipa cobranças e insultos. Pelo receio de sofrer, casais se separam precocemente. Pelo receio de sofrer, somos mesquinhos, egoístas e primitivos. Não ampliamos a confiança. Somos juízes severos e implacáveis, prometendo o pior enquanto o melhor passa. Pelo receio de sofrer, favorecemos a desgraça, o mal-entendido e abolimos a esperança. Inventamos suspeitas, sob a alegação de prevenir a dor. Com receio de sofrer, falamos pelo tempo e o tempo nada tinha a dizer ainda, nem havia pensado no assunto. Com receio de sofrer, o vento mais forte já é tempestade. Pelo receio de sofrer, fazemos o outro sofrer mais do que sofreríamos na verdade sozinhos.


O amor é sempre sinônimo de martírio, de suplício, de disputa. É claro que o amor não é fácil, como andar de bicicleta sem rodinha para uma criança de quatro anos não será fácil, como aprender a dirigir a um adolescente de 15 anos não será fácil. Facilidade não nasceu nesta vida. Nem pescar é fácil.


Sofrimento se paga à vista. Não aceita crediário. Se surgir, arca-se com as despesas na hora. Nunca por antecipação, a dissipar o contentamento antes de se tornar memória e curva do corpo. O mundo não é limitado, reduzimos o mundo pela preguiça de enxergar.


Por que os amantes estão apagando a alegria do amor? Por que estão suspirando antes de sussurrar? Por que estão escondendo dos amigos o ímpeto de atravessar uma nudez como se fosse o próprio quarto? Por que não declarar que é simplesmente delicioso perder o prumo para se levantar com a espuma? Por que fazer da inveja uma religião? Por que não falar que um arrepio e um estremecimento significam mais do que uma noite de sono? Por que não desistir de dar conselhos pessimistas e avisos mórbidos? Por que dissuadir os apaixonados com conselhos ponderados e equilibrados? Por que se envaidecer com a tragédia? Por quê?


Com receio de sofrer, homens realizam vasectomia no coração. Com receio de sofrer, mulheres fazem ligadura no coração. Tornam-se indiferentes e descrentes. Ambos sacrificam a fertilidade, o inesperado, o porvir, a expectativa e a surpresa. São enterrados de pé.


Viver não é racionar o que se conhece. O que se conhece não basta. Os riscos fazem parte da euforia.


Como a dor, a alegria também pode ser insuportável.


Por receio da alegria, sofremos.

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