"Porquanto qualquer que a si mesmo se
exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será
exaltado." Lucas 14.11
Era uma vez
um galo que acordava bem cedo todas as manhãs e dizia para a bicharada do
galinheiro:
Vou cantar para fazer o sol nascer…
Ato contínuo subia até o alto do telhado,
estufava o peito, olhava para o nascente e cantava seu belo canto!
E ficava esperando.
Dali a pouco a bola vermelha começava a
aparecer, até que se mostrava toda, acima das montanhas, iluminando
tudo.
O galo se voltava, orgulhoso, para os bichos e
dizia:
Eu não falei?
E todos ficavam boquiabertos e respeitosos ante
o poder tão extraordinário conferido ao galo: cantar para fazer o sol
nascer.
Ninguém duvidava. Tinha sido sempre
assim.
Havia grande ansiedade entre os moradores do
galinheiro.
E se o galo ficasse rouco?
E se esquecesse da partitura?
Quem cantaria para fazer o sol nascer?
O dia não amanheceria?
E por causa disso cuidavam do galo com o maior
cuidado.
Ele,
sabendo disso, sempre ameaçava a bicharada, para ser mais bem
tratado.
Olha que eu
enrouqueço! – dizia.
E todos se punham a correr, para satisfazer as
suas vontades.
O galo, por sua vez, tinha enormes oscilações
emocionais.
Pela manhã, depois de o sol nascer, sentia-se como um deus,
onipotente e admirado e não era para menos.
Mas à
noite vinham a depressão e a ansiedade.
Não posso perder a
hora, dizia. Se eu não
cantar, o sol não vai nascer. E não conseguia dormir
um sono tranquilo.
Isto, na verdade, acontece com todas as pessoas
que se acham poderosas assim. Paira sempre sobre elas a ameaça de fim do
mundo.
Aconteceu, como era inevitável, que certa
madrugada o galo perdeu a hora.
Não cantou para fazer o sol nascer.
E o sol nasceu sem o seu canto.
O galo acordou com o rebuliço no galinheiro.
Todos
falavam ao mesmo tempo.
O sol nasceu sem o galo… O sol nasceu sem o
galo…
O pobre do galo não podia acreditar naquilo que
seus olhos viam: a enorme bola vermelha, lá no alto da montanha. Como era
possível?
Teve um ataque de depressão ao descobrir que o seu canto não era
tão poderoso como sempre pensara.
E a
vergonha era muita.
Os bichos, por seu lado, ficaram
felicíssimos.
Descobriram que não precisavam do galo para que o sol
nascesse.
O sol
nascia de qualquer forma, com o galo ou sem o galo.
Passou-se muito tempo sem que se ouvisse o
cantar do galo, pois estava deprimido e humilhado.
O que era uma pena: porque é tão bonito.
Canto de galo e sol nascente combinam tanto.
Parece que
nasceram um para o outro.
Até que, numa bela manhã, o galinheiro foi
despertado de novo com o canto do galo.
Lá estava
ele, como sempre, no alto do telhado, peito estufado.
Está cantando para fazer o sol nascer? – perguntou o peru em meio a uma
gargalhada.
Não, – respondeu o galo. Antes, quando eu
cantava para fazer o sol nascer, eu era doido varrido. Mas agora eu canto
porque o sol vai nascer. O canto é o mesmo. E eu virei
poeta…
Adaptação da fábula contada por Rubem Alves
Colaboração de Um Amigo de Deus Marco Antonio
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