terça-feira, 11 de abril de 2023

Olhos de um melro

 




J. B. Sayeg



Os olhos mecânicos do melro


eram as únicas coisas que se moviam


na sala. O quadro de Paul Klee desenhava


movimentos de um anjo,


eram movimentos eternos, insatisfatórios


porque não eram efêmeros resolúveis


numa fração de segundo. Os olhos porém


eram ágeis, falavam, escutavam, eram olhos


indagadores. Eu mesmo me imobilizei apavorado


perante aqueles movimentos rápidos e impacientes.




Sentei-me na cadeira de grande espaldar


defronte à escrivaninha. Dobrei a página,


deixando o marcador indicando-me a leitura


interrompida. Os olhos se detiveram,


por um instante. A seguir, desesperadamente


recomeçaram seus inteligentes movimentos.



 (Pantomimas e Animação, 1989)



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