domingo, 4 de setembro de 2022

Borges





 j.l.rocha do nascimento



Penetrei intricados labirintos

cruzei infinitas câmaras

e antes que minhas retinas mourejassem

fiz concessões

de que me envergonhei depois

e

não me perdi


na saída

vi um jardim de tulipas negras

um rio circular

em cujas águas purifiquei o corpo

quando emergi e me pus em terra firme

desfiz-me em grãos de areia

tornei-me infinitesimal

ainda assim

senti frio


fui varrido pelo tempo

busquei abrigo

nas  mil e uma noites

[imaginei que ali encontraria o sentido de tudo]

aqueci-me

mas aí veio a febre

numa delas

sonhei

que dormia como um justo

nos braços de Sherazade


toquei com o dedo a lâmina do espelho

vi vários de mim

multiplicados

sem fim

como naquele jogo que inventastes

sonhos tigres punhais


hoje são teus olhos

[Deus irônico!

engolidos pelo breu da noite]

guias opacos

que me arrastam

como a tua sombra

pelos corredores da biblioteca hexagonal


eu li [tu dissestes]

não há nada que é

ou que será

que [eu] já não tenha sido


agora sei do outro

[que é] o mesmo

ser Borges

duplo de si mesmo


eu sei você vai saber

 

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