domingo, 4 de fevereiro de 2024

Dezembro

 



Florisvaldo Mattos


Menino ainda, costumava

romper o cristal da manhã

e do macio horizonte

cavalgar o aromado pêlo

haurindo a seiva do dia, tanto me

comoviam os animais no campo.



Na adolescência,

ave, passei às mãos das incertezas:

como a mim permitiam decidi

a vida cantar por não ser nada.



Transitei pelos vales recolhendo

Um pouco de mim mesmo em cada planta

na água dos riachos me banhava

da pedra me enxugava nas durezas

que ao vento domavam e refaziam

meu secreto saber.



Eu era agora um homem,

tanto me diziam, tanto me provava

o contato com os homens ou algo mais.

A lua cheia matava-me no silêncio,

invariável lua que jamais cantei

por pouco ser e muito dizer.



Amanhecia por vezes sobre um couro,

transido de frio, sem pecados.

Amava a terra, doação da manhã,

mesmo quando armas rudes me cortavam

a fímbria da existência: eu era

um pouco das safras transportadas,

da poeira que tropeiros levantavam

misturada a rastro de sangue nas ladeiras

"Um cavalo cortado ao meio", me diziam,

e isso valia como identificação

ao que vem e suporta seus tropeços.



Os companheiros de infância,

muito bem mortos, lá estão

esculpidos em ecos, regressando,

do afã diário aos búzios vesperais,

ignorando armadilhas do sol-posto,

tanto falam-me os gestos, os ruídos.

E como vêm falar do que não foram!



Agora é dezembro, e pouco vale

um coração cruzado de datas,

mesmo punhais de lâminas fecundas,

rebrilhando ao sol do meio-dia,

de flores, de frutos na campestre senda.

Humilho-me por não ser o que mais fui,

consciente mas expondo-me aos assédios

de ventos ruminosos, águas várias

— águas de aboio insopitado e lento.



Agora é dezembro: com seu penacho

de luz acende o caminho, incinerando

as fétidas lembranças, colorindo

ausências de sonora geometria.

Antes triste que perdido

ao sol que nos confunde,

à chuva que nos vence.



Agora é dezembro, um mês guerreiro,

que doma sombras ao calor de espadas.

 



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