terça-feira, 16 de novembro de 2010

Discurso como Patrono dos Formandos do Segundo Semestre de 2000 da UCSAL

Ilmo. Professor José Carlos Almeida da Silva,
Magnífico Reitor da Universidade Católica de Salvador;
Ilmo. Professor Thomas Bacelar da Silva,
mui digníssimo Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Salvador,
em nome de quem saúdo todos os demais componentes
da mesa de trabalhos desta solenidade;
Minhas senhoras e meus senhores;
Meus afilhados

Obrigado, muito obrigado, muitíssimo obrigado!
Começo esta oração pela forma como deveria encerrá-la: agradecendo.
Agradecendo a imensa gentileza da eleição de meu nome para patrono desta fantástica turma de formandos do segundo semestre de 2000 na nossa Faculdade de Direito da Universidade Católica de Salvador.
A honra de receber esta homenagem é indescritível, notadamente pelo fato de que vocês - utilizarei esta forma de tratamento na minha exposição, dado o grau de intimidade que já temos - sim, vocês foram a primeira turma para a qual ministrei aulas com professor universitário no estado da Bahia, o que nos autoriza até uma certa vaidade sadia pela constatação do dever cumprido.
Comecei esta oração, parafraseando a gratidão que vocês demonstraram em seu convite de formatura a seus pais, belíssima mensagem que mostra não somente a integridade do caráter deste grupo, mas, muito mais ainda, a habilidade no uso do nosso principal instrumento de labor: a palavra .
Nestes anos de convivência, pude acompanhar e testemunhar a evolução, melhor diria, a maturação da sua capacidade de crítica e de pensamento jurídico.
Para mostrar isso, farei um breve relato de como as nossss histórias pareciam predeterminadas a se cruzar, em coincidências somente atribuíveis à sabedoria divina.
Conheci vários de vocês antes mesmo de ingressam na universidade, ainda como “nascituros para o Direito”, seja pelo convívio social ou profissional anterior, seja pela participação nestas válidas iniciativas dos colégios desta cidade de realização de semanas ou encontros de orientação profissional.
A maioria do grupo ingressou em seu primeiro semestre na UCSAL no começo do ano de 1996 e eu fui levado, pelas mãos amigas do eterno mestre Thomas Bacelar, como professor substituto de Direito do Trabalho no início de 1997, justamente quando vocês estavam se matriculando nesta disciplina.
Naquele momento, iniciamos uma relação que não se limitava à sala de aula, ambiente muitas vezes tomado por um formalismo ao qual nunca me acostumei, mas sim, tranbordando-a para um contato mais frequente, significativo de uma semente de uma amizade que, em tão pouco tempo, já brotou e se tornou frondosa árvore, com alguns primeiros frutos que, orgulhosamente, colhi com um carinho paternal.
Como já destaquei na apresentação da sua revista jurídica, vocês são a primeira turma do novo currículo do curso de direito e não hesitaram em participar ativamente da sua implantação, não aceitando passivamente imposições, mas tentando sempre, na medida do possível, apresentar uma contribuição efetiva para o seu aperfeiçoamento.
Naquele ano de 1997, convivemos por dois semestres, nas matérias Direito Individual e Coletivo do Trabalho, tendo, de logo, o imenso prazer de receber a notícia, com alegria e vibração contagiantes, que um de vocês tinha vencido o cobiçado Prêmio Luiz Tarquínio, promovido pela Fundação Orlando Gomes, com um trabalho realizado em sala de aula, o que já inferia o grande talento potencial desta turma.
O ano seguinte, 1998, foi o período em que a maioria começou a estagiar formalmente, com a obtenção da carteira própria da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Bahia, em que nosso convívio passou a ser nos tribunais, oportunidades em que eu não conseguia disfarçar o orgulho de vê-los atuando, já como a promessa de bacharéis que hoje são, e que, em muitas vezes, tive que esconder uma lágrima furtiva ao constatar a capacidade profissional que já se demonstrava.
Em 1999, voltamos a nos encontrar em sala de aula, no seu oitavo semestre, na disciplina Direito Processual do Trabalho. Este reencontro também se constituiu em um marco em minha tão curta carreira acadêmica, pois foi o derradeiro semestre em que, por contingências do destino, ministrei aulas na nossa instituição. E digo NOSSA, com respaldo, porque mesmo não participando mais do corpo docente, ainda me sinto um membro colaborador desta importante casa de saber.
Naquele ano de despedida, talvez antevendo a nossa separação formal (apenas formal, pois o coração abarcava e continua abarcando cada um de vocês), juntos fizemos e acontecemos.
Alguns de vocês participaram, por exemplo, de um grupo voluntário de pesquisa aprofundada em Direito do Trabalho, que coordenamos gratuitamente, como uma justificativa para continuarmos próximos e estimulando o desenvolvimento de seu talento para a reflexão metódica e investigação científica. Deste grupo, como sabem, nasceu um livro, "Novos Nomes em Direito do Trabalho", cujo segundo volume também pretendemos editar ainda este ano.
Como se não bastasse, editaram também a Revista Jurídica do Centro Acadêmico Teixeira de Freitas, iniciativa de grande valor para o nosso curso, a qual deve ser continuamente incentivada, ainda com mais força.
E a produção intelectual deste grupo de formandos não se limitou a estas já brilhantes iniciativas.
Revitalizaram o Escritório Modelo Prof. Manoel Ribeiro, dotando-lhe de uma estrutura profissional; criaram o Instituto Modelo de Estudos Jurídicos, com a finalidade de fomentar a pesquisa e extensão universitária; organizaram vários debates, seminários e jornadas de discussão do direito, contando, inclusive, com expositores oriundos de outros estados da federação; combateram, com vigor, a pasmaceira reinante no meio jurídico, conseguindo, no exemplo do apóstolo Paulo, combater o bom combate, cumprir a carreira e guardar a fé (na vida universitária).
E coroando toda essa intensa atividade intelectual, lançaram, há pouco, a primeira Revista Jurídica dos Formandos em Direito da UCSAL, com apoio de várias entidades representativas do estudo do Direito do estado da Bahia, uma obra que não encontro outro adjetivo senão colossal, em um trabalho admirável que não mediu esforços para mourejar a garimpagem desta pepita preciosa.
Esta história de realizações é, portanto, o meu preito de profunda justiça ao trabalho incansável de cada um de vocês.
Vocês são especiais - e sabem disso!
Não há aqui nenhuma vã glória por parte deste orador no fruto obtido, mas apenas a satisfação de vê-los alcançá-lo.
O professor sozinho não realiza absolutamente nada, mas tão somente atua, se tiver disposição para fazê-lo, como um verdadeiro catalisador, pois os agentes e reagentes da transformação são vocês, destinatários, portanto, de toda honra e glória pela bênção divina conquistada.

Redigi estas palavras, esta manhã, entre fraldas e mamadeiras, tendo em vista a imensa felicidade com que fui brindado há cerca de um mês e meio
E inspirado na minha pequena flor de maracujá, linda jóia da natureza humana que Jesus me reservou, e olhando em seus pequenos olhos, duas reluzentes jabuticabas, lembrei de cada um de vocês.
Há certos sentimentos que, por mais que se domine a oratória, jamais conseguirão ser plenamente verbalizados.
A sensação da paternidade pelo sangue, que experimentei há tão pouco tempo, recebendo em meus braços uma nova frágil vida, foi uma emoção tão indescritivelmente maravilhosa, que não consigo conter as lágrimas quando rememoro este momento.
Quando estava rascunhando estas palavras, lambendo minha cria, lembrei-me do te deum, o culto de ação de graças de anteontem.
Quando os vi entrar, dois a dois, no salão da Igreja, constatei que não é um privilégio apenas de seus pais a emoção daquele momento. Da mesma forma, nem somente os queridos colegas Gomes Brito e Sílvia Cohim, professores homenageados, têm a felicidade de ver ali seus filhos entre os formandos.
Isto porque não pude deixar de sentir uma forte sensação, para mim inédita: a de que vocês, os MEUS primogênitos na vida acadêmica, os MEUS descendentes por adoção intelectual, estavam completando uma etapa de suas vidas.
E não tenho dúvidas de que entre os colegas aqui presentes, também prevalece este sentimento de “paternidade coletiva”, uma paternidade responsável e amorosa, que muitas vezes erra, mas sempre com uma enorme vontade de acertar, por ter a plena consciência de que o futuro de vocês também está nas nossas mãos.
Se, como disse Padre Hamilton, amar é contar consigo, contem comigo sempre, como sempre contaram!
Quantas vezes já não celebrei casamentos imaginários entre muitos de vocês?
Quantas vezes já não fui chamado no canto para ser o ombro amigo do desabafo, seja pelo fim de um namoro, seja por uma frustração em uma prova, seja, principalmente nos últimos tempos, pelo receio natural do futuro profissional que se avizinha?
Quantas vezes já os recebi em minha casa, em algumas oportunidades até altas horas da noite, simplesmente para ouvi-los ou aconselhá-los diante de angústias mil!

Estes dois pontos (o talento inquestionável de vocês e o amor que nutro por cada um) vêm à baila, porque vislumbro em vocês, meus afilhados, um enorme potencial que não pode ser reprimido pela opressão daqueles que nada fazem e ainda estranham e hostilizam os que não aceitam o “pacto da mediocridade” tantas vezes denunciado.
Estejam certos – e é muitas vezes constrangedor falar isto, mas um pai não pode se calar diante da verdade, na orientação de seus filhos – que perseguições e difamações certamente virão, não pelos seus eventuais erros, mas sim pelo brilho que emana de cada um de vocês!
Perseguições virão pela prepotência daqueles que ignoram (e não querem conhecer) outros horizontes do pensamento, talvez só comparável pelo pavor do confronto inevitável da truculência dos últimos Neanderthal’s diante da racionalidade e dos sentimentos mais complexos dos primeiros homo sapiens.
Estas admoestações surgem pela certeza de que é muito duro ver, muitas vezes impotentemente, fatos serem distorcidos de acordo com a conveniência ou a falsa convicção de quem quer que detenha o poder.
Cuidado, meus filhos, com os sepulcros caiados que se apresentam no meio do caminho, com os canalhas que traem com um beijo e um sorriso no rosto, e com aqueles que, sob uma falsa aparência de moralidade, destroem reputações, humilham seus aparentes adversários e jogam no lixo toda a possibilidade de convívio social sadio e respeitoso, pela criação de falsos réus e falsas provas, apenas jogando para a execração pública os bodes expiatórios de sua própria incompetência.
Isto se dá em qualquer lugar: na Academia, na Igreja, na Mídia, na Política ou nos Tribunais, pois, entre os homens, não há ambientes sacrossantos que não sejam profanados pela mediocridade daqueles que não aceitam o diálogo e a construção pacífica de um mundo melhor.
Milton Santos, talvez o maior pensador baiano vivo, Professor da USP, já vem denunciando, há muito, fenômenos execráveis como a morte do pensamento livre, a tirania de uma competividade perversa e a perda da noção de generosidade que tem retirado o sentido de toda a vida em sociedade, que é a busca da solidariedade.
Sobre este pensamento único, imposto quase onipresentemente, nas palavras do mencionado mestre, o “fato é que existe, hoje, uma decisão de se emburrecer voluntariamente” (Entrevista concedida ao Jornal “A Tarde”, publicada no Caderno 2, de 14/01/2001).
Nestas circunstâncias, pensar é um pecado e produzir intelectualmente apenas um ato de exibicionismo, como se a atitude correta, diante da reflexão minuciosa, fosse o egoísmo de guardar para si as primícias de seu aprofundamento dogmático.
A universidade é um lugar para se pensar, sem amarras institucionais que mutilam as iniciativas quase quixotescas de docentes e discentes, na busca – por muitos vista como utópica – da realização de um novo conceito de cidadania, com consciência crítica, mas espírito de construção de novos paradigmas, ainda que seja de um lugar de sonho, e não apenas a análise pragmática do que já provou fazer ou iconoclasta do que nem sequer refletiu.
Valendo-me, novamente, de Milton Santos: “As épocas que subestimam a utopia são épocas de empobrecimento intelectual, ético e estético (...) E é preciso jogar-se para a frente, o que pode parecer suicida”.

Por isto, meus amados, se, como ensinou o Padre Hamilton, “patrono é o exemplo” deixo, como paradigma, depois de louvá-los e advertí-los, as orientações básicas que tomo para a minha vida:
Primeiro: Amar vale a pena! Como li certa vez, “o amor é uma flor belíssima, mas que se tem que ter coragem para colhê-la na beira do precipício”. Não se impressionem com o materialismo predominante na nossa sociedade. Aprendam a dar de si, sem pensar em si. Não se dediquem a nada que não lhes possa despertar uma paixão!
Segundo: estudem sempre! Pensar é o que nos diferencia dos irracionais! Se apenas revivermos a ladainha de tempos idos, não teremos direito a conquistar novos espaços e a cometer novos erros. Só não erra quem não trabalha ou não se arrisca! E quem se limita a repetir velhos discursos, sem compreender efetivamente o que está falando, não passa de um cãozinho amestrado de circo, “sentado no trono de um apartamento, com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar!”
E, por fim: sejam, sempre, vocês mesmos, ainda que muitos queiram reprimi-los ou castrá-los, por não conseguir entender este maravilhoso estado de alegria de se encontrar em si próprio.
Vivam intensamente cada novo dia, cada benção divina, cada momento de sua vida como se fosse o último, porque ele pode ser.
Não se dispam das autenticidades da vida, quando tiverem que impunhar uma toga. Não se sintam ou se comportem como Deuses, quando estiverem no exercício de sua profissão. Sejam homens e mulheres probos, com a maturidade que lhes chegará no tempo certo, mas mantendo a boa-fé e a simplicidade dos seus tempos de inocência, pois “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é!”

Encerro esta oração lendo uma mensagem, recebida pela Internet de uma aluna muito querida, que reflete muito meu estado de espírito.
Ela reflete uma das maiores verdades da humanidade: um homem não se mede pelo tempo que viveu ou pelo capital que acumulou, mas sim pela integridade com que preservou seus valores originais de caráter.

JARDIM DE INFÂNCIA
Tudo o que hoje preciso realmente saber, sobre como viver, o que fazer e como ser, eu aprendi no jardim de infância.
A sabedoria não se encontrava no topo de um curso de pós-graduação, mas no montinho de areia da escola de todo o dia.
Estas são as coisas que aprendi lá:
- Compartilhe tudo.
- Jogue dentro das regras.
- Não bata nos outros.
- Coloque as coisas de volta onde pegou.
- Arrume a sua bagunça.
- Não pegue as coisas dos outros.
- Peça desculpas quando machucar alguém.
- Lave as mãos antes de comer.
- Biscoitos quentinhos e leite frio fazem bem.
- Respeite o outro.

Leve uma vida equilibrada:
aprenda um pouco
e pense um pouco
e desenhe
e pinte
e cante
e dance
e brinque
e trabalhe um pouco todos os dias.
Tire uma soneca às tardes.
Quando sair, cuidado com os carros; dê a mão e fique junto.

Repare nas maravilhas da vida.

Lembre-se da sementinha no copinho plástico: as raízes descem, o caule sobe, e ninguém sabe realmente como ou por quê. Mas todos sabem que é assim.

O peixinho dourado, o hamster, os camundongos brancos e até mesmo a sementinha no copinho plástico, todos morrem.
Nós também.

Lembre-se da sua cartilha e da primeira palavra que você aprendeu, a maior de todas: OLHE.

Tudo o que você precisa saber está lá, em algum lugar.

A Regra de Ouro é o amor e a higiene básica.
Ecologia e política e igualdade e respeito e vida sadia.

A gente tem que fazer a nossa parte.

Pegue qualquer um desses itens, coloque-o em termos mais adultos e sofisticados e aplique-os à sua vida familiar, ao seu trabalho, ao seu governo ou ao seu mundo e verá como ele é verdadeiro, claro e firme.

Pense como o mundo seria melhor se todos nós, no mundo todo, tivéssemos biscoitos com leite todos os dias, por volta das três da tarde e pudéssemos nos deitar, com um cobertorzinho, para uma soneca.

Ou se todos os governos tivessem, como regra básica, devolver todas as coisas ao lugar em que elas se encontraram, e arrumassem a bagunça ao sair.

E é sempre verdade, não importando a idade:
ao sair para o mundo é sempre melhor dar as mãos e ficar junto.
(Autoria ignorada)

Meus afilhados, ao sair para o mundo, dêem-me sempre sua mão, pois eu já lhes dei meu coração.
Parabéns pela formatura! Jesus os abençoe!
Muito obrigado por vocês existirem!

Um comentário:

  1. Este foi o primeiro discurso que fiz em uma formatura, como professor, em toda minha vida!
    É muito especial para mim!
    Beijos e abraços a todos,
    RPF

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