ACADEMIA DE LETRAS JURÍDICAS DA BAHIA
SAUDAÇÃO AO ACADÊMICO RODOLFO MÁRIO PAMPLONA FILHO
(Solenidade de posse em 17 de agosto de 2005)
O giro diário da Terra – modesta imitação do giro eterno do tempo – ao contrário do que distraidamente percebemos, oferece aos olhos do mundo não um, e sim dois crepúsculos, a claridade suave que precede o nascer do dia ou o cair da noite. O primeiro deles termina por abrir em luz a festa da energia criadora da vida. O segundo termina por fechar em treva a inércia letal do nada.
Movidos por essa mecânica imutável, os dois crepúsculos jamais se encontram. Graças a ela, no vazio de cada noite se perde para sempre a criação de cada dia.
Somente a inteligência humana conseguiu romper, em relação à vida de sua espécie, o equilíbrio mecânico dos crepúsculos da natureza com o traço-de-união da memória que ilumina a escuridão do passado, integrando-o à construção do futuro. É desse modo que se pereniza nos que vão chegando como luz crepuscular da manhã a obra dos que vão partindo como luz crepuscular da tarde.
Esta minha pobre filosofia intuitiva, muito ao jeito de circunlóquio, é para dizer-lhes que nesta solenidade temos um exemplar da prestidigitação humana de unir o crepúsculo nascente da juventude que é recebida com o crepúsculo poente da velhice que saúda sua chegada.
Bendita prestidigitação, aliás, que pôde acontecer pela sabedoria dos nobres Acadêmicos que contrariaram a índole natural desta espécie de sodalício, elegendo um moço para o seu convívio.
Com esse gesto, atraíram a inquietação espiritual e a ânsia renovadora que fazem de qualquer moço um estranho no ninho de mansuetude e aconchego que a alfombra das Academias predispõe para a morna ruminação das experiências idas e vividas de seus provectos habitantes.
Pelo que acabo de declarar, sinto-me no dever de explicar a razão que faz de Rodolfo Mário Pamplona Filho, tão precocemente escolhido para integrar a Academia de Letras Jurídicas da Bahia, um perfeito protótipo de estranho no ninho.
Para isso bastará, certamente, o sumário esboço de sua biografia.
Mesmo pondo de lado o fato de ser a inquietação, só por si, um apanágio dos trinta anos, a personalidade de Rodolfo Mário Pamplona Filho, trintão muito recente, é daquelas capazes de sacudir e alvoroçar qualquer círculo que o receba, em face de sua capacidade quase prodigiosa de gerar movimento e provocar trabalho.
Digo assim por ciência pessoal, contando-o, como o contei, entre meus alunos da graduação em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, ainda no verdor de seus vinte anos. Graças a isso, pude avaliar de muito perto o ímpeto com que, já naquela época, ele buscava o conhecimento, não pela trilha simples da meditação de lições recebidas, mas pelo acidentado caminho da provocação dos docentes com afiada dialética, atitude que faz o horror dos acomodados.
Em comprovação do que afirmo, lembre-se que nosso recipiendário, nem registrara, ainda, seu diploma de bacharel em Direito e já estava inscrito em concurso para provimento de cargo de Juiz do Trabalho Substituto, tradicionalmente árduo, que efetivamente assumiu aos vinte e dois anos, laureado pela segunda classificação entre os concorrentes de diferentes Estados federativos.
Seu profundo sentimento de afeição humana logo o impeliu a desafiar a responsabilidade de constituir família. E o fez ao seu modo irrequieto, surpreendendo os convivas ao soltar a voz bem modulada de barítono, em pleno altar a que levou sua leal esposa Emília, para dedicar-lhe publicamente uma dessas arrebatadas canções de amor que só os italianos sabem compor.
Seria de esperar que se acomodasse nos primeiros degraus galgados da magistratura e do matrimônio, ao menos para ganhar novo fôlego antes de partir para outras conquistas.
Entretanto, como fôlego é riqueza que o agraciou prodigamente, repicou as primeiras apostas nos graves deveres que assumiu na Bahia, com a de um rigoroso curso de pós-graduação em São Paulo, o Mestrado da Pontifícia Universidade Católica, tendo por área de concentração o Direito do Trabalho.
Aprovado com louvor e premiado pelo valor da Dissertação apresentada com dispensa de creditação para doutorar-se na mesma Universidade – não vacilou um minuto em mergulhar na elaboração da tese “Assédio Sexual na Relação de Emprego” cuja defesa lhe valeu, também com distinção, o grau de Doutor em Direito.
Mas, para um fôlego tão invulgar, era pouco o árduo esforço concentrado que o levou, em curto tempo, a uma sucessão de láureas que a outros custaria boa metade da existência, pois em cinco anos (1995/2000) passou da graduação em Direito (Turma do 2.º semestre de 1994 da Faculdade de Direito da UFBa, da qual foi orador) à Magistratura trabalhista e desta à pós-graduação em Mestrado e Doutorado.
Por isso, conseguiu freqüentar, em paralelo à formação em Mestrado e à elaboração da tese de Doutorado, dois outros cursos de pós-graduação lato sensu – um em Direito Civil, na Universidade Federal da Bahia, outro em Direito Processual Civil, na Universidade Salvador, este último coordenado por seu agora confrade José Joaquim Calmon de Passos e concluído com apresentação de monografia, no primeiro semestre de 2001.
Desta sólida plataforma cultural alçou vôo imediato e definitivo para o espaço olímpico do magistério, que hoje exerce na Faculdade de Direito da Universidade Salvador (UNIFACS), da qual é Professor titular de Direito Processual do Trabalho e Professor Orientador de Monografias de final de curso, desde 2000, e num leque de outras instituições dedicadas ao ensino jurídico, a exemplo da Pontifícia Universidade Católica, cujo corpo docente integrou de 1997 a 2000; do Centro de Preparação e Aperfeiçoamento da Magistratura Trabalhista da 5ª Região (CEMAG), hoje Escola da Magistratura Trabalhista da 5ª Região, desde 1998; da Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes da Ordem dos Advogados da Bahia, desde 1997, meras referências realçadas entre numerosas outras de igual quilate.
No entanto, mesmo na prática do ensino superior regular, extremamente absorvente em si mesma, capaz, portanto, de sufocar os mais fracos pela acumulação com o exercício da judicatura trabalhista, encontrou sobras em seu fôlego excepcional para abrir espaço à intensa participação em conclaves jurídicos da mais variada gama (congressos, simpósios, seminários e colóquios), na Bahia e no Brasil afora, como conferencista, palestrante, painelista ou debatedor. Nesta vertente destacou com a original espontaneidade de atitudes que o caracteriza, a virtude de pai amantíssimo, trazendo ao colo, para algumas sessões de conclaves, a recém-nascida primogênita Marina – já portadora de carteira de identidade oficial, que achou tempo para providenciar antes que completasse o primeiro ano de vida.
Há mais, porém, para somar-se: uma fecunda messe de literatura jurídica já representada – estando apenas em seu começo – por quinze livros, entre obras solo, parcerias e coordenações, sendo a mais recente, ainda incompleta (“Novo Curso de Direito Civil”), um atestado vivo de conhecimento jurídico enciclopédico, possivelmente o mais completo comentário ao Código Civil brasileiro promulgado em 2002. Em paralelo, uma profusa produção de artigos sobre temas jurídicos espalhados pelas mais idôneas publicações especializadas de todo o país.
Para não esquecer um importante detalhe, o confrade a quem dou as boas vindas, em nome de desta Academia, não é um neófito neste tipo de participação social. Desde 1999 ocupa a Cadeira 58 da Academia Nacional de Direito do Trabalho, na qual exerce, nas duas últimas gestões, o cargo de Secretário, sobrando-lhe tempo para dedicar-se também a isso. É igualmente associado efetivo – com toda ênfase no significado do adjetivo – do Instituto Baiano de Direito do Trabalho, do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior, da Associação de Magistrados de Justiça do Trabalho da 5ª Região, da Associação dos Magistrados Brasileiros, do Instituto dos Advogados da Bahia, do Instituto Goiano de Direito do Trabalho e do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
O que acabo de relatar, em termos de dinâmica participativa de alto teor contributivo para a comunidade jurídica e a sociedade brasileira, é, sem exagero, uma fração do que poderia ser detalhado da biografia e da personalidade do novo confrade. Mas basta, com sobra, para provar minha afirmação inicial de que qualquer Rodolfo Pamplona Filho será inevitavelmente um estranho no ninho de mansuetude e aconchego de qualquer Academia, que necessariamente agitará com a espontânea inquietação de sua idade e a invulgar força de sua capacidade de fazer acontecer.
Comprova também minha outra afirmação, a da sabedoria de sua escolha para compor o quadro da nossa Academia em contrário à intuitiva preferência pela maturidade e reflexão como traços naturais do perfil acadêmico.
Tudo se resume, enfim, numa expressiva conclusão: com esta posse, instala-se um dínamo na Academia de Letras Jurídicas da Bahia. E só podemos congratular-nos pela energia que ele vai gerar para seu bem e grandeza.
O que eu disse até aqui atende plenamente o dever protocolar de expor à seleta audiência desta solenidade as razões e o acerto da escolha do novo Acadêmico, apresentando aos poucos que ainda não a conheciam a rara extensão e profundidade dos atributos pessoais que o credenciaram a ser escolhido.
A ele mesmo fico devendo outros inúmeros e importantes títulos e referências, mas para colacioná-los todos, cumprir-me-ia ler um verdadeiro memorial que chegaria, folgadamente, a cinqüenta páginas. E mesmo que o fizesse hoje, estaria desatualizado amanhã, em face da dinâmica de sua produção em todos os campos mencionados.
Se quisesse, portanto, estaria à vontade para encerrar aqui o registro do grande júbilo da Academia de Letras Jurídicas da Bahia por merecer o privilégio de ter Rodolfo Mário Pamplona Filho entre seus membros.
Entretanto, quero merecer do público e dos ilustres confrades que me fizeram seu porta-voz para saudá-lo, decerto por saberem da profunda estima e admiração que lhe dedico, a graça de conceder-me um minuto deste tocante encontro dos nossos dois crepúsculos, para falar diretamente a ele, contando uma pequena história e fazendo-lhe um fervoroso pedido.
Há sessenta anos atrás, quando você, Rodolfo, nem sonhava ser, eu vi a humanidade emergir banhada em sangue de uma catarse chamada Segunda Guerra Mundial. Então adolescente, acreditei que ela era a definitiva semeadura no coração humano do sentimento do direito para a messe de uma sociedade justa. Foi um momento mágico que levou meu discernimento ainda inocente à opção profissional de servir a ambos – direito e Justiça – com fidelidade e sem esmorecimento.
Dez anos mais tarde, porém, quando cumpri a opção da adolescência pela formação jurídica, graduando-me pela velha Faculdade livre de Direito, erguia-se das ruas o clamor de estar nossa pátria mergulhada num mar de lama.
Foi então que encontrei, sentada à beira da calçada, a meninazinha de olhos verdes que, muitos anos mais tarde, Mário Quintana me apresentou pelo nome de Esperança. Ela me estendeu a mão, eu abracei-a firmemente, e nunca mais nos separamos.
A caminhada foi longa e dura, mas o amparo mútuo foi incondicional, vindo a mim da pureza de seus olhos verdes e da teimosia de sua fé na virtude, que usei para me reaprumar dos muitos tropeços e soerguer-me das várias quedas.
Sessenta anos passados, agora sou eu que, vergado pelo cansaço, me sento à beira da calçada e, olhando à minha volta, verifico desolado que a catarse que redimiria a humanidade foi apenas miragem, e o mar de lama que engolfava meu país desaguou num pântano de coisa muito mais fétida.
Entretanto, pior do que essas visões, o que faz crescer minha angústia é o brilho fenecido dos olhos verdes da meninazinha que, de tão exaurida e maltratada pela vida, já não me estende a mão, quando lhe peço, nem me ouve voz quando a chamo.
Aflito, então, concluo que a meninazinha está morrendo no colo do meu crepúsculo. E é a partir desta aflição, Rodolfo, que lhe faço meu pedido: tome-a nos seus braços, reponha-lhe a inocência infantil na cintilação esmeralda do olhar e parta com ela para tentar fazer do mundo o que não consegui.
Nenhuma insensatez existe no que lhe peço, se você fizer presente em sua consciência a lógica de que a grandeza do oceano começa na gota d´água e a imensidão da praia se forma do grão de areia.
Só em tentar – apenas tentar – atender-me você responderá à confiança que a sua Academia lhe demonstra ao abrir as venerandas portas para abrigá-lo em sua mansuetude como o mais jovem dos eleitos desde que foi fundada.
Mais honrará também o nome e o caráter inimitáveis do antecessor na Cadeira em que se empossa, seu saudoso professor e nosso imortal confrade e amigo Antônio Carlos de Oliveira.
Pelo que fizer no sentido do que lhe rogo, mais do que pelo valor de sua inteligência e pela qualidade incomum de sua energia espiritual, nós e a sociedade lhe seremos incondicionalmente devedores.
Bem-vindo seja, Rodolfo, a Casa é sua. E que Deus o abençoe pelo que você já é pelo muito que esperamos ainda venha a ser.
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N-O-S-S-A. Não me canso de ler as coisas que ele escreve.
ResponderExcluirAliás, tal qual as coisas que Mário Quintana escreve...
por sinal, a lembrança da identidade de Marina me fez lembrar de lhe contar que corri para fazer a de Heitor, ainda com 2 meses. Em sua homenagem! rs Só não tive paciência de fazer a sequência de três-por-quatro... Abraços!
Sem dúvidas um homem bom e um ser humano muito especial.Linda e muito pertinente sua homenagem mestre.Grande beijo
ResponderExcluirQuerida Lena
ResponderExcluirQuando eu crescer, quero ser igual a ele...
Quero ver o RG de Heitor, sim!
Abs,
RPF
Oi, Tici!
ResponderExcluirEu fico muito feliz em ler seus comentários aqui no blog, viu?
Apareça sempre!
Bjs,
RPF
Que saudadessss! Mal saí da faculdade... enfim, pessoas especiais despertam esse tipo de sentimento. Um carinho enorme por ti, Prof.! Parabéns pelas inúmeras conquistas... são merecidas as palavras! Bjos
ResponderExcluirDafne
ResponderExcluirA saudade é enorme do lado de cá também...
Gostou da oracao de paraninfia?
Bjs,
RPF