sábado, 6 de novembro de 2010

Discurso de posse de Rodolfo Pamplona Filho na Academia de Letras Jurídicas da Bahia

Excelentíssimo Senhor Professor José Antonio Cezar Santos, MD Presidente da Academia de Letras Jurídicas da Bahia.
Senhores acadêmicos, magistrados, procuradores, advogados e estudantes de Direito.
Meus amados parentes, alunos e amigos
Senhoras e senhores

Como se deve fazer um discurso de posse em uma Academia de Letras?
Essa pergunta me veio à tona quando, hoje pela manhã, rascunhava as breves palavras que pretendo compartilhar com todos que vieram aqui prestigiar esta solenidade, em uma homenagem de respeito intelectual e/ou carinho pessoal a este recipiendário.
A tradição impõe um ritual de saudação à memória do patrono da cadeira e do antecessor na sua titularidade, de maneira a demonstrar que a imortalidade formal significa, em termos concretos, a perpetuação da lembrança daqueles que, mesmo não estando mais fisicamente em nosso meio, permanecem vivos pela contribuição que prestaram à cultura da sociedade.
Dessa liturgia, não me afastarei, até mesmo porque tenho consciência da nobre, porém árdua, tarefa de dignificar os nomes que se inscrevem na cadeira a que fui alçado.
Permitam-me, porém, começar esse pronunciamento da forma como normalmente ele se encerra: agradecendo.
Agradecer, sempre em primeiro lugar, a Deus, pela oportunidade de viver este momento. Como todo aquele que crê profundamente na soberania do Divino sobre a carnalidade, somente posso invocar a idéia de que a Ele deve ser dada toda honra e toda a glória.
Agradecer, pessoalmente, a cada um dos acadêmicos que, do alto de seus méritos incontestáveis e notórios, ousaram indicar e sufragar o meu nome, em uma manifestação de profunda estima, uma vez que muitos outros profissionais, com superior estatura intelectual, bem como de experiência de vida, seriam mais gabaritados a ombrear-se com os preclaros membros desta congregação do que este interlocutor.
Agradecer, at last, but not at least, à minha família, de sangue, de fé e de coração, que aqui comparece, neste início de noite, após um dia chuvoso, apenas com o objetivo de estar presente – de ser parte! - em um dos momentos mais importantes da minha vida.
Vida essa que, embora ainda curta, tem sido dedicada ao Direito, como minha maior preocupação intelectual, desde que dele me aproximei.
Lembro-me quando ingressei na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e lá, encontrei, substituindo na Diretoria, o Prof. Antonio Carlos de Oliveira, que veio a ser o meu primeiro professor, e a quem, hoje, sucedo na titularidade da Cadeira 27.
Naquela casa, tive a oportunidade de ser aluno de grandes mestres, que hoje se tornam meus confrades, a saber, Fernando Santana, Hermano Machado, Cezar Santos, Marília Muricy, Paulo Furtado, Pedro Manso Cabral e Washington Trindade, este último, um amigo tão adorado por meu pai, que se constitui em uma grande influência pela minhas opções na área do Direito.
Dentre magníficos professores de um curso, todo aluno acaba elegendo um docente como o seu modelo intelectual. E comigo não foi diferente! Ser aluno, na graduação, do Prof. José Augusto Rodrigues Pinto, foi a experiência mais marcante de minha trajetória acadêmica. Metódico e analítico por natureza e formação, seu raciocínio lógico, com fundamentação transparentemente cartesiana, é o paradigma que adoto em toda reflexão dogmática que ouso fazer. Trata-se de alguém que não me canso de reverenciar, buscando realizar aquele sentimento que todo jovem sonhador busca no Direito: Justiça.
Recém-formado, laborando, desde os 19 anos, como servidor concursado da Justiça do Trabalho da 5ª Região, quis a álea do destino que, 5 meses e 6 dias depois da colação de grau, fosse eu nomeado e empossado como Juiz do Trabalho substituto, após aprovação em concorrido concurso público.
Na Justiça do Trabalho, cresci e amadureci como ser humano e profissional.
Nela, conheci todos os sentimentos que a humanidade reserva aos seus semelhantes, dos mais nobres aos mais mesquinhos. O coração, porém, somente deve reter aquilo que é didático para sua formação e para o engrandecimento de seu espírito. Assim, as maiores bênçãos ali conseguidas foram os sentimentos da amizade, inclusive de vários confrades que ali dedicam a sua vida e atividade profissional, como os imprescindíveis Amâncio José de Souza Netto, Aurélio Pires, Hylo Gurgel, Raymundo Laranjeira e o Mestre de todos nós, Luiz de Pinho Pedreira da Silva, mas, principalmente, do amor, pois foi na Justiça do Trabalho que conheci minha esposa, Emilia, com quem tenho dois filhos lindos, Marina (4 anos) e Rodolfinho (2 meses), obras-primas de minha vida.
Na Justiça do Trabalho, aprendi a amar o exercício da magistratura, principalmente a parte de contato com o jurisdicionado, nas mesas de audiência, nos gabinetes e na integração com a comunidade, a ponto de ter plantado fortes raízes nas comarcas por que passei, a saber, Teixeira de Freitas, da qual me tornei cidadão pela generosidade de seu povo, Eunápolis e, recentemente, Ilhéus.
Por outro lado, também recém-formado, busquei, de logo, o aprofundamento dos estudos de pós-graduação, já visando ao magistério superior, pelo que, com 25 anos, defendi dissertação de Mestrado, e, com 28, o Doutorado. Nenhum curso de pós, porém, me marcou mais do que ser aluno – e, depois, assistente – do Prof. José Joaquim Calmon de Passos, na especialização em Direito Processual da UNIFACS - Universidade Salvador. Se Rodrigues Pinto é o meu insuperável Mestre de construção do raciocínio lógico, Calmon é o meu modelo de argumentação e retórica. Nunca tive tanta liberdade para debater como nos anos em que convivemos toda semana! Debate franco, incisivo e – por que não dizer? – ferino, entusiasmando e assustando toda a audiência, que chegava a acreditar seriamente que estávamos nos ofendendo reciprocamente, impressão esta que logo se esvaia pelas manifestações de carinho que se seguiam ao término das discussões.
Assim, com pouco mais de 10 anos de graduado, posso dizer que exerço a magistratura e o magistério pelo mesmo tempo, dada a conjunção dos fatores “esforço” e “sorte” com que foi agraciado.
Fiz, no exercício dessa atividade incessante, vários outros novos companheiros, alguns também ex-professores de meu saudoso pai, e que, agora, também se tornam meus confrades, como Alice Gonzáles Borges, Aquinoel Borges, Deraldo Brandão, Edson O´Dwyer, Edvaldo Brito, Emmanuel Matta, Genaro de Oliveira, Johnson Nogueira, Manuel Pereira, Mário Barbosa e Rubem Nogueira, entre outros.
E, nessa curta trajetória, publiquei livros e artigos, orientei pesquisas, monografias e dissertações, ministrei aulas e conferências em diversos estados da federação, venci certames jurídicos; tive a honra de ser homenageado por turmas de formandos, bem como, em especial, pelos estudantes da UNIFACS ao criarem um prêmio com meu nome; associei-me aos mais expressivos sodalícios jurídicos, inclusive obtendo a primeira imortalidade formal em 1999, ao ser eleito para a Cadeira 58 da Academia Nacional de Direito do Trabalho, combatendo o bom combate e guardando a fé.
Não invoquei, porém, a parte intermediária da frase do apóstolo Paulo, “cumprir a carreira”, de forma proposital.
Isso porque é de uma obviedade ululante que a minha juventude salta aos olhos em um ambiente normalmente reservado à coroação de uma longa vida dedicada ao estudo e à reflexão metódica.
De fato, tenho a consciência de que, se a condição de “calouro”, que hoje tomo do prezado confrade Antonio Carlos Nogueira Reis, brevemente será repassada a algum notável jurista a ingressar neste sodalício, a situação de “caçula”, ora usurpada do querido colega e confrade César Faria Jr., ainda deve persistir por um bom tempo, não pela ausência de grandes nomes mais jovens do que eu (pois há uma nova geração, extremamente qualificada, que está liderando as novas escolas de Direito), mas certamente pela existência, já aqui lembrada, de vários outros juristas, melhor qualificados e mais experientes do que este orador.
Por isso, incentivado por outro “pai por afeição intelectual”, o agora confrade Edivaldo Boaventura, iniciei este discurso dizendo a que vim, pois o elogio ao recipiendário é sempre feito de fora para dentro, e é necessário manifestar a visão de dentro para fora do sentido de termos postulado uma vaga ao lado dos maiores nomes vivos do Direito baiano.
Afinal, como vaticinou o Prof. Washington Trindade, no discurso que me saudou na Academia Nacional de Direito do Trabalho, um homem não deve ser medido somente pelos anos que viveu, mas principalmente pelas experiências que passou...
Sou da geração que nasceu no período do Golpe Militar; que completou a maioridade já votando para Presidente da República; que está acostumada, desde tenra idade, com os avanços da informática e dos meios de comunicação; que é taxada de alienada, mesmo tendo pintado a cara para derrubar um Presidente e não tendo receio de fazer isso de novo, se necessário for...
O que alguém, assim, está fazendo na Academia de Letras Jurídicas da Bahia?
Prometo aos senhores que, até o final dessa manifestação, responderei a esta pergunta.
Agora, porém, cumprirei a parte litúrgica deste pronunciamento, fazendo o registro da memória do patrono e do meu antecessor, tradição importantíssima e que venho aqui respeitar.
Notem, todavia, os senhores que, até este momento, fiz questão absoluta de mencionar também, em partes deste discurso, o nome de todos os confrades efetivamente ativos da nossa Academia. Embora outros pudessem ser lembrados, isto também é um símbolo do meu compromisso com esta casa, prestigiando todos aqueles que continuam enaltecendo-a e participando realmente da sua vida, missão esta que pretendo assumir como uma questão de honra.

Não existe situação mais confortável, para quem ingressa em um colegiado deste nível, que ocupar uma cadeira cujo patrono foi um exemplo de honradez, decência pessoal e dignidade profissional.
Renato de Oliveira Bahia, nascido em 02 de março de 1914, em Tanquinho, à época distrito de Feira de Santana, ali viveu a sua infância, cercado do amor e carinho de seus avós maternos, que lhe incutiram no espírito os sentimentos de apego aos seus, bem como de solidariedade e retidão moral.
Completando, ali, o estudo das primeiras letras, transferiu-se para Salvador, onde ingressou, primeiramente, no Colégio Figueiredo e, depois, no Ginásio Ipiranga, de onde saiu com o diploma de Bacharel em Ciências e Letras.
Na influência do exemplo paterno do engenheiro Álvaro Soares Bahia, matriculou-se na Escola Politécnica, dela retirando-se, porém, por não se sentir vocacionado para as ciências exatas. Hesitando quanto ao rumo de sua preparação profissional, não tendia para a Medicina, tendo chegado a pensar no Jornalismo, mas acabou, mesmo, na gloriosa Faculdade de Direito da Bahia, por se sentir atraído pela função pública e ambicionando tomar parte na Administração ou na Política.
No convívio com os colegas de curso, logo granjeou a sua admiração, pela compostura, seriedade e excepcional espírito de liderança, tendo, inclusive, sido membro diretor do Jornal da Associação Universitária da Bahia, dando vazão à sua verve jornalística.
Ainda na faculdade, aprofundou-se no estudo do papel do estudante na vida nacional, tendo escrito os originais de seu único livro, “O Estudante na Vida Nacional”, somente editado anos depois, mais precisamente em 1954, pela Editora Progresso. Nas palavras do próprio autor, pareceu-lhe “que lhes devia dar publicidade”, pois “podem constituir, pelo trabalho paciente de pesquisa que representam, material algo valioso para outros que se disponham a retomar o assunto, em novos moldes”.
A citação aqui feita foi tirada da nota introdutória do livro, mas não é justa com o seu valor, uma vez que obra sem paralelo na literatura nacional, em que se encontra, de maneira extremamente elucidativa, a história do desempenho social e político do estudante brasileiro, surpreendendo pela excelência da tarefa realizada, com a escassez das fontes de pesquisa da época, agigantando-se pela circunstância de ter sido escrita por um ainda bacharelando em Direito.
Formado em Direito, não se sentindo vocacionado para o Ministério Público ou para a Magistratura – para perplexidade de sua amada avó, que espera vê-lo magistrado, tendo-lhe presenteado com o anel de formatura e com malas novas para quando mudasse de comarca – abraçou a carreira advocatícia.
Sua primeira experiência nesta lida foi propiciada por José Vicente Tourinho, que lhe abriu as portas dos Escritórios Técnicos Associados e o encarregou da assistência jurídica aos municípios, na defesa dos interesses das prefeituras, o que se compatibilizava com o seu interesse nos problemas da Administração Pública e, em especial, do municipalismo, na esteira das lições de Alberto Torres e Oliveira Vianna.
Circunstâncias alheias à sua vontade, contudo, impediram o desenvolvimento desses trabalhos, pelo que Renato Bahia passou a buscar, novamente, outros rumos profissionais. Nesse momento, em suas próprias palavras, “foi que o destino haveria de pôr à minha frente essa extraordinária figura humana que se chamou Gonçalo Porto de Souza”
Na literalidade das palavras do Prof. Antonio Carlos de Oliveira, ao fazer este mesmo elogio, em sua posse na Academia:
“O destino tornou companheiros de labuta quotidiana dois homens talhados para passarem à posteridade como paradigmas, pela honradez e competência profissional, que imprimiam, no trato com clientes, amigos e familiares, a marca da seriedade, da probidade, da solidariedade e do respeito.
Espelhando-se em Gonçalo Porto de Souza, cognominado “O Advogado Perfeito”, Renato Bahia seguiu-lhe os passos na trajetória luminosa, como fiel discípulo, e veio a tornar-se à altura da grandeza do mestre. Após a morte do grande causídico, sucedeu-lhe no comando do escritório e prosseguiu a sua exemplar carreira.”
Ao completar 20 anos de vida profissional, foi elevado à Presidência da OAB, Seccional da Bahia, tendo o seu Conselho, anos depois, lhe conferido o “Prêmio Gonçalo Porto de Souza”, destinado ao advogado de mais destacada atuação no ano.
Um advogado que honrou a atuação profissional e que não quis exercer nenhuma outra carreira jurídica que não essa.
Não se furtou, todavia, a ser prefeito de Tanquinho, sua cidade natal que ajudara a emancipar. Seu nome era tão imbatível que, aceitando o pleito de seus conterrâneos para ser candidato, os partidos de oposição não apresentaram concorrentes, valendo sua eleição como aclamação.
Dedicando-se de corpo e alma à nova empreitada, administrou o pequeno município como se fosse uma grande comarca, organizando as finanças da prefeitura, urbanizando a parte central da cidade, logo dotada de energia elétrica, e construindo e constituindo ginásio, biblioteca, museu e um posto de assistência médica e odontológica. No entusiasmo dos seus co-cidadãos, deixou de existir “Tanquinho de Feira”, passando a existir “Feira de Tanquinho”...
Ainda no final de sua vida, fundou com seu grande amigo Rômulo Almeida a empresa CLAN, de consultoria, planejamento e recursos, encarregando-se da parte jurídica dos projetos.
Faleceu ainda jovem, em 1974, com apenas 60 anos incompletos, sendo sepultado no mausoléu da família Amado Bahia, no cemitério do Campo Santo.
É este o patrono da Cadeira nº 27, por escolha de seu primeiro ocupante, Álvaro Peçanha Martins, seu amigo-irmão, como uma justa homenagem não somente a uma grande amizade, mas também a um dos baluartes da advocacia baiana, cujo busto se encontra, inclusive, neste salão nobre da Academia.

Embora não seja da tradição se falar da cadeira sucessória das cadeiras que se ocupam em uma Academia de Letras, é importante ressaltar que o Min. Álvaro Peçanha Martins, primeiro titular, é vulto que se destaca, nas palavras do Prof. Rodrigues Pinto, “por ter sido advogado, com a serenidade e isenção do magistrado, e magistrado, com a combatividade e destemor do advogado”. Uma personalidade tal importância jamais pode passar despercebida por quem quer que seja.

O meu antecessor, porém, foi o Prof. Antônio Carlos Araújo de Oliveira, segundo ocupante da Cadeira 27 nesta Academia, um dos mais gentis seres humanos que já conheci em minha vida.
E essa qualificação, definitivamente, não é um exagero ou arroubo de retórica, pois desafio publicamente a quem, aqui presente, possa se lembrar de alguém tão cordato e agradável como o magistrado e eterno (e essencialmente) Professor Antônio Carlos Araújo de Oliveira.
Seu passamento, em 06 de novembro de 2004, deixou um enorme vazio em nosso meio jurídico que somente o tempo, senhor de toda a Razão e cicatrizador de toda ferida, poderá preencher e restaurar, pois a lacuna, que fica nos recônditos de emoção, jamais será apagada.
Antônio Carlos de Oliveira era e é, para mim e para uma imensa quantidade de pessoas aqui presentes, mais do que um notável jurista: era o terno e eterno professor; era o colega “pau para toda obra”, que nunca recusava uma missão e sempre as cumpria com galhardia e precisão; era o amigo pai e o amigo irmão, que todos elegiam pelo coração...
Um relato de tal importância poderia, portanto, ser feito de várias formas: mostrando toda a titulação daquele a quem se lembra; descrevendo o porque se deve homenageá-lo; ou, então, simplesmente trazendo as impressões pessoais do orador sobre a quem se reverencia a memória.
Seguindo, porém, o mesmo modelo que fiz, quando o saudei em sua posse na Academia Nacional de Direito do Trabalho, permito-me condensá-las para, em vez de fazer um discurso impessoal como o desfiar de itens de um currículo, apresentar um testemunho vivo sobre a ímpar pessoa que jamais será esquecida.
E faço isso pela consciência de que minha escolha como seu sucessor não é fruto somente de meus eventuais méritos, mas muito mais pela circunstância de que a nossa amizade era também uma relação quase filial, como um dos maiores legados deixados por meu pai, que a prezava sobremaneira.
Lembro-me quando nos vimos pela primeira vez.
Contava eu dezoito anos de idade, recém aprovado no vestibular de Direito da Universidade Federal da Bahia, e Antonio Carlos tinha sido recentemente designado vice-Diretor da Faculdade, estando no exercício da Diretoria.
“Venha conhecer um grande professor”, disse meu pai, apresentando-me, muito antes da primeira matrícula, aquele que veio a ser meu primeiro professor, e depois, meu amigo, meu colega e meu confrade.
Uma história de amizade que ultrapassa gerações tem de ser contada com muito carinho e com um cuidado de ourives, pois tal sentimento merece ser lapidado tanto com a mente, quanto com o coração, para que possa ostentar toda a beleza que carrega em seu íntimo.
Comecemos com a mente, cumprindo obedientemente o tradicional rito.
Nascido Antonio Carlos Araújo de Oliveira, em Alagoinhas, no estado da Bahia, muda-se em tenra idade, com sua família, para Salvador, onde é matriculado no Liceu Salesiano, completando a sua formação primária e iniciando o ginásio.
Transferindo-se para o Colégio Central da Bahia, berço da nata da intelectualidade baiana, completa o curso ginasial e o clássico, sendo aprovado no vestibular para a Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, pela qual se vem a graduar em 1957.
No ano seguinte, ocorre um dos momentos mais importantes de sua vida, o casamento, em 25 de janeiro, com a meiga Therezinha, com quem teve cinco filhos, vários netos, um bisneto e muitos anos de felicidade contínua... Lembro-me do aniversário de 45 (quarenta e cinco) anos de casado, que tive privilégio de presenciar, em que os dois exalavam a felicidade de dois jovens namorados, como um exemplo a qualquer pessoa que um dia queria ser feliz no amor...
Na vida profissional, militou como advogado por dez anos, tendo dedicado treze anos de serviço público ao antigo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários.
Em 1967, foi nomeado Juiz do Trabalho Substituto, após aprovação em concurso público de provas e títulos, sendo promovido a Juiz Presidente da Junta de Conciliação e Julgamento de Maruim, em Sergipe, em 1970, onde permanece até 1978, quando é removido, a pedido, para a 2ª JCJ de Simões Filho e, logo depois, para a 6ª JCJ de Salvador, aposentando-se, por tempo de serviço, em 02/09/1982.
* Convidado pelo Juiz Hylo Gurgel, à época Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, assume o cargo de Diretor Geral do TRT, que exercerá por quase quatro anos, inclusive nas gestões dos magistrados Washington Luiz da Trindade e Alfredo Vieira Lima.
Na Corte de Justiça especializada, também atuou rapidamente como assessor de juiz, exercendo, ainda, o encargo de Coordenador de Cursos e Eventos do Centro de Preparação e Aperfeiçoamento da Magistratura Trabalhista da 5ª Região (CEMAG) e da Escola de Preparação e Aperfeiçoamento da Magistratura Trabalhista da 5ª Região (EMATRA).
Além disso, sempre foi um atuante membro do Instituto Baiano de Direito do Trabalho, do qual foi Presidente, dirigindo a Revista ERGON com maestria.
Sua grande vocação, porém, foi, sem qualquer dúvida, a atividade acadêmica.
Com efeito, concluindo o Curso de Doutorado em Direito Privado, em 1965, pela UFBA, e o “Curso de Formação de Professores” do ensino Técnico Comercial, promovido pelo MEC, em 1966, logo busca a realização de seu talento no magistério.
Em 1968, ingressa como Professor Titular da Faculdade de Ciências Contábeis da Fundação Visconde de Cairú, lecionando Direito e suas Instituições, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, matéria em que é a maior autoridade baiana até a atualidade.
Em 1970, ingressa na casa comum a todos nós, a UFBA, como Auxiliar de Ensino, em prova de títulos, passando a Professor Assistente em 1977 - em memorável concurso público que contou, na banca, com os Professores José Martins Catharino, Octavio Bueno Magano e Messias Pereira Donato – sendo promovido a Adjunto, em 1983.
Ali, lecionou diversas disciplinas, como todas as cadeiras de Introdução ao Estudo do Direito, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, além de, eventualmente, outras matérias que lhe fossem designadas por necessidade do Corpo Discente.
Foi nomeado Coordenador do Curso de Graduação em 1984, exercendo tal cargo por dois biênios consecutivos, Vice-Diretor em 1990 e Diretor em 1992, encabeçando lista sêxtupla como o mais votado pelos professores, funcionários e estudantes, tendo eu mesmo sido seu “cabo eleitoral” na época.
Mesmo tendo se aposentado da graduação em 1997, continuou a ministrar aulas na Fundação Faculdade de Direito da Bahia, coordenando o Curso de Especialização em Direito do Trabalho.
Atuou em várias outras instituições de Ensino, valendo destacar a sua coordenação de cursos na Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes e no Curso de Direito da Faculdade Integrada da Bahia.
Pontificou, desde 1999, na Universidade Salvador-UNIFACS, como seu Professor de Introdução ao Estudo do Direito e Direito Previdenciário, tendo coordenado, inclusive, o Grupo de Pesquisa sobre os Juizados Especiais no Estado da Bahia, cujos resultados recentemente foram transformados em livro.
A imortalidade formal lhe foi outorgada pela Academia de Letras Jurídicas da Bahia, desde 1994, tendo exercido dinamicamente diversos cargos em suas Diretorias até ascender ao cargo de Presidente, bem como na Academia Nacional de Direito do Trabalho, desde 2002, quando, eleito em disputada votação, convidou-me para saudá-lo em sua posse.
Como se não bastasse, pertenceu a várias outras entidades culturais, como, a título exemplificativo, o Instituto Sergipano de Direito do Trabalho e Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, associações das quais é, inclusive membro fundador.
Colaborou com mais de dez revistas técnicas nacionais, tendo publicado nove livros, sem contar colaborações em obras coletivas, em coordenação própria ou alheia.
Participou ativamente de eventos culturais, sendo dignitário de diversas distinções universitárias, como paraninfias e eleições como “amigo da turma”, bem como honrarias oficiais, a saber, a Comenda do Mérito Judiciário do Trabalho do TST, a Comenda da Ordem Sergipana do Mérito Trabalhista do TRT da 20ª Região e a Medalha do Mérito Judiciário da AMATRA-V.
São tantos predicados que poderia me perder na sua enumeração nesse discurso.
Todavia, vencida a fase histórico-protocolar, é hora de dar espaço novamente ao coração.
Esta manifestação sobre meu antecessor não pode deixar de ser diferenciada, pois o indivíduo aqui lembrado é um símbolo para várias gerações: um parâmetro de ética e de conduta profissional que, lamentavelmente, cada dia se torna mais raro.
Já declarei várias vezes – inclusive nesta sala de sessões, quando de sua posse na Academia Nacional de Direito do Trabalho, sob a audiência de muitos aqui presentes – que, se todas as pessoas têm desafetos, o Prof. Antonio Carlos pode ser considerado uma “barema de personalidade”, um instrumento de medição de caráter, pois se há alguém nesta vida que lhe possa não ter admiração, boa figura certamente não é.
Trata-se do indivíduo mais doce que conheci no meio intelectual. Nunca vi um testemunho sequer de exaltação ou descortesia com quem quer que seja.
Se, após o falecimento, é muito comum a hipocrisia fazer com que os que já não estão entre nós sejam considerados unanimidades, isto não se aplica a Antonio Carlos: de fato, ele já era unanimidade muito antes de nos deixar...

É a responsabilidade de suceder a homens como esse que assumo hoje.
Homens que marcaram época, não por batalhas empreendidas ou padrões rompidos, mas sim, muito pelo contrário, pelo trabalho constante, tal qual incansável formiga, a construir algo que a visão dos medíocres muitas vezes não alcança.
O empreendedorismo, a ética na conduta e a gentileza no trato pessoal é o elemento comum na História de Renato Bahia, Álvaro Peçanha Martins e Antonio Carlos de Oliveira.
Ora, assim sendo, já posso responder à pergunta lançada sobre o que faço nesta Academia.
Sou alguém profundamente apaixonado por tudo aquilo que faço, notadamente o estudo do Direito. Acredito, sinceramente, que não vim à vida a passeio. Por isso, execro profundamente toda forma de apatia, lembrando as palavras do Senhor Jesus: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.” (Ap 3: 15-16).
Se minha curta experiência de vida já atesta o meu compromisso com o dinamismo e a construção de novas realidades, o que os senhores fizeram, na eleição para uma cadeira que tem tão importantes nomes, foi, simultaneamente, uma aposta e uma promessa:
Uma aposta em uma obra, ainda a ser construída e da qual somente o tempo poderá dizer em que medida terá valia para a sociedade.
Uma promessa, tal qual um batismo, de que não deixarão morrer os valores defendidos por tão ilustres juristas, exigindo-se deste recipiendário, tal qual pais para filhos, mestres para discípulos, irmãos para irmãos, o cumprimento deste juramento.
É esta nobre missão que me empolga, entusiasma e alivia.
É com este compromisso que chego à Academia de Letras Jurídicas da Bahia.
Muito obrigado.

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