Fim do trema,
sucesso da @, por Zuenir Ventura
Zuenir Ventura, O
Globo
Achei engraçadinhas as histórias antagônicas desses dois sinais
gráficos. Um, o trema, está desaparecendo; aliás, oficialmente já desapareceu.
O outro, a arroba, está no auge de sua popularidade. Do primeiro recebi,
enviado por um amigo, uma sentida despedida. “Você pode nunca ter reparado em
mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças, por
mais de 450 anos. Fui expulso pra sempre do dicionário.”
Suas queixas não poupam o cedilha, que teria sido a favor de sua
expulsão — “aquele Ç cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de
iniciar uma palavra”. E um conformado desabafo: “A verdade é que estou fora de
moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K e o W, ‘kkk’ pra cá, ‘www’
pra lá.”
O estranho é não haver referência à arroba, muito mais em voga
do que as letras citadas. Calcula-se que a @ — esse a com uma perna esticada
fazendo um quase círculo — anda hoje em três bilhões de endereços eletrônicos,
o que ainda é pouco, considerando que não é possível passar um e-mail sem ela.
Antes, apenas como medida, ainda tinha alguma utilidade, pelo
menos para comerciantes e estivadores dos armazéns dos cais do porto, já que
servia para indicar a unidade de peso equivalente a 15 quilos.
É curiosa a vertiginosa carreira de sucesso da @, que nem
existia nas primeiras máquinas de escrever. Conta-se que foi em 1971, graças ao
engenheiro americano Ray Tomlinson, que ela começou a ganhar destaque, e por
acaso. Encarregado do projeto que seria o precursor da internet, Ray precisava
de um símbolo que ligasse o usuário do correio eletrônico ao domínio. Aí,
olhando para um teclado, caiu de amores pela @, depois que seu coração balançou
entre o ponto de exclamação e a vírgula.
A partir dos anos 90, com a massificação da internet, a arroba
passou a ser provavelmente o símbolo gráfico mais popular do universo. Os
e-mails podem viver sem tremas, sem pontos de exclamação, de interrogação, til,
cedilha, reticências, mas nunca sem aquele sinalzinho que aparece em cima do 2
e precisa ser acionado apertando-se a tecla Shift. E mais: além de
popularidade, ganhou prestígio.
Em 2010, o Museu de Arte Moderna de Nova York adquiriu o símbolo
@ para a sua coleção de design. “Uma aquisição que nos deixa orgulhosos”,
anunciou o MoMA em seu site. Agora mesmo é que a @ está se achando.
Zuenir Ventura é
jornalista.
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