7 ª Vara da Família do Foro de São Paulo
VISTOS.
Diante de razões constantes a fls. 3/4, juntados documentos de fls. 5/10,
P.C.O., qualificado, submetido a cirurgia de transgenitalização em hospital
público, na condição de transexual, pediu alteração, junto ao assento de
nascimento, do seu nome, passando a chamar-se P.C.O., bem como do sexo, de
masculino para feminino.
Em manifestação de fls. 21/41, o representante do Ministério Público
requereu a extinção do feito diante de manifesta carência. A condição resultou
afastada, determinada, em r. despacho de fls. 43, vinda de novos documentos,
ausente recurso pelo MP.
Em r. despacho saneador de fls. 53/54, determinada a realização de perícia
médica junto ao IMESC, bem como requisitadas cópias do prontuário médico do
requerente junto ao Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Laudo juntado a fls. 131/133. Requerente com depoimento prestado a fls.
147/149. Alegações finais, pelo requerente a fls. 151/155 e, pelo MP, a fls.
156.
Relatado,
DECIDO:
Julgo o feito no estado em que se encontra.
Dispensável, no caso, maior produção probatória.
Prontuário médico, em cópia, juntado aos autos.
Nesse, todo o histórico do atendimento médico e do procedimento cirúrgico.
Resultado, pelos dados ali descritos, satisfatório.
Transformação ocorrida.
Apresentava o requerente o órgão masculino.
Com a intervenção cirúrgica, em trabalho técnico de realce, a mudança para o
órgão sexual feminino.
Daí o pedido de alteração.
Comportamento e visual de mulher.
Atitudes e relacionamento com características do sexo feminino.
O laudo elaborado pelo IMESC — fls. 131/133 — apresenta regular radiografia
do caso.
Genitália semelhante a vagina — fls. 132 —, sendo a resolução cirúrgica de
boa qualidade.
Vive o requerente maritalmente com homem e relaciona-se sexualmente como
mulher — fls. 132,
do laudo referido.
A fls. 147/148, em longo e detalhado depoimento, o requerente traduziu sua
vida de problemas e
desencontros bem como a realidade vivida.
Sustentou mesmo conteúdo posto em laudo não impugnado.
Apresenta-se, desde criança, como mulher.
Veste-se, desde tenra idade, como mulher.
Relaciona-se como mulher.
Tem companheiro homem. Mantém relacionamento sexual satisfatório a contar da
cirurgia.
É, em realidade do comportamento, uma mulher.
Certamente com limitações em termos de procriação.
O mais equipara-se ao sexo feminino.
Importa salientar que o requerente nasceu em parto de trigêmeos.
Um irmão, uma irmã.
E o requerente.
A aceitação da sua condição, desde criança, pela família.
Um quadro, repetindo, de dificuldades quanto a identificação.
A vida de uma mulher.
A documentação de um homem.
Os constrangimentos decorrentes.
A Constituição veda qualquer distinção ou mesmo tratamento preconceituoso.
Todos sob sua tutela e em busca do seu amparo.
Direitos e garantias individuais presentes.
Muito poderia ser posto em termos filosóficos.
Sobre a vida, sobre a história, sobre os povos.
Sobre o convívio, a aceitação e a participação.
Tenho, entretanto, dispensáveis tais questionamentos.
O processo trata de uma vida.
Sem espaço para os tratados em elaboração de teses.
Apenas a análise da realidade em face da legislação vigente.
O quadro guarda acaloradas disputas.
Também discórdias.
O que é homem? O que é mulher?
A presença da transexualidade.
Vigente ao longo da vida e dos tempos.
Os dramas sem retrato.
Os retratos sem figuras.
As imagens escondidas.
Mas presentes a dor, o preconceito, o sofrimento.
O mundo muda. A vida se altera.
A esperança se faz presente.
A construção do Estado, pela Nação, em busca da melhoria da vida.
Do respeito integral às individualidades.
Da consideração pelas diferenças.
Do aperfeiçoamento das realidades.
Da solução para os conflitos.
O Judiciário como Poder do Estado revelando-se muito mais como da Nação.
A trazer solução para a existência e a relação entre as pessoas.
A busca da solução diante da lei.
Regras que se apresentam para melhorar a condição dos cidadãos.
E, nesse limite, todos iguais.
Sem qualquer distinção.
Nesse comando, apurada a realidade vivida por Paulo, como negar, em parcela
de Poder, o atendi
mento.
Judiciário na análise.
O Estado-juiz presente.
O Executivo, de longo tempo, assume a postura transformista.
Autoriza a mudança.
Nos autos, a prova.
Renomada e destacada Universidade — a de São Paulo — por seus pesquisadores
e operadores,
em hospital público — o das Clínicas, vinculado à Universidade — portanto,
em nome do Estado, a
realizar cirurgias corretivas, de adaptação e de transformação.
O histórico revelado pelo prontuário médico encartado.
A verba pública utilizada para minorar o sofrimento do cidadão.
O encontro, da Medicina, com a realidade vivida pelo ser humano.
A justa compreensão da técnica com a realidade.
Um Estado, portanto, que executa de acordo com os anseios do cidadão.
Condição de se anotar.
E de se questionar: como o mesmo Estado que pesquisa, investe e realiza no
campo da transforma-
ção vem, ao depois, pelo seu seguimento de solução de conflitos, negar
reconhecimento a situação de fato reconhecida?
Como o agente de defesa social — o Ministério Público — posto pelo Estado
para zelar pela cidadania vem negar-se a reconhecer o que o próprio Estado
realizou em prol do cidadão, ausente prejuízo para terceiros?
Apenas o interesse do Estado e o do cidadão.
Repetindo, sofrido, indefinido, no momento, documentalmente.
O Estado transforma Paulo em mulher.
Ao depois, se nega a dar-lhe o reconhecimento social quanto ao nome e ao
sexo que, renovada a
condição, autorizou.
Conflito evidente.
Mas, pela análise, aparente.
Etapas que avançam.
A primeira condição, o reconhecimento físico via cirurgia transformadora.
A segunda, a mudança documental.
A menor.
O direito surge relativo.
Revela a vontade, o consenso de uma época.
E o Estado-juiz cuida de declarar essa vontade.
Em plena realidade.
Paulo apresenta-se como mulher.
Revela-se como mulher.
O Estado declara a condição em cirurgia específica.
Com recursos e investimentos públicos.
Momento da confirmação.
De forma simples e sem altas divagações.
Como deve ser a vida.
A mudança a quem aproveita?
Ao próprio requerente.
Que a contar do acolhimento da pretensão deixará de sofrer constrangimento e
discriminação.
Condições que a Constituição impõe em afastamento.
O poder legal da transformação.
Do Judiciário.
O físico pertence ao Executivo.
E aos seus grupos de atuação em pesquisa e cirurgia.
Que Paulo corrija seu nome e seu sexo.
Que seja Paula, segundo sua vontade.
E mulher conforme sua realidade.
Posto isso e considerando o mais que dos autos consta,
julgo procedente
a inicial e, em conseqüência, acolhido o pedido constante de fls. 2/4,
diante realidade física e médica decorrente de cirurgia
realizada em hospital público e às expensas do Estado,
defiro as retificações pretendidas por P.C.O.,
qualificado, no tocante ao nome, passando a chamar-se P.C.O. e, no tocante
ao sexo, passando a contar com o sexo feminino em lugar do sexo masculino,
ratificadas as demais condições postas em registro e em assento junto ao
Serviço de Registro Civil.
Com o trânsito em julgado, de se expedir mandado de averbação.
Custas ex vi legis
.
P.R. e Intimem-se.
São Paulo, 11 de abril de 2004.
ELCIO TRUJILLO -Juiz de Direito
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