domingo, 29 de agosto de 2010

O Remédio Amargo

O Remédio Amargo
Rodolfo Pamplona Filho

Pode chegar um momento em suas vidas
Em que a Paixão se torna amizade,
para depois virar educação;
em que Tom Jobim e Vinícius de Moraes viram Kid Abelha,
em que o “Eu sei que vou te amar”
vira “o nosso amor se transformou em bom dia”;
em que a sua identidade de amante
é convertida em ser pai ou mãe de alguém...

Pode chegar um momento em suas vidas
em que o sexo se torna burocrático,
como um ponto a ser batido
ou um dever a ser agendado;
em que qualquer coisa é motivo para dizer não,
como se precisasse de algo para dizer não...
ou quando o “não quero”, “não pode”, “não faço”, “não vou”
se tornam mais comuns do que o “eu te amo”...

Pode chegar um momento em suas vidas,
em que não há mais gota d’água a esperar,
pois o cálice já transbordou há muito;
em que o silêncio é menos constrangedor
do que ouvir a voz do ente antes amado,
em que a ansiedade de conhecer o outro
é substituída pelo marasmo absurdo
da convivência com falta de assunto...

Pode chegar um momento em suas vidas
em que o resgate dos sentimentos de outrora
é visto como uma chatice ou perda de tempo;
em que as lembranças de momentos felizes
são vistas como um “mico” de um passado distante
em que a tentativa de diálogo é interrompida
por um bocejo ou por um olhar no infinito;
em que se percebe que o desrespeito tem perdão,
mas a monotonia não tem solução...

Pode chegar um momento em suas vidas,
em que se discute compatibilização de horários,
como se o que se tornou um já tivesse desvirado;
em que o trabalho dá prazer e o prazer dá trabalho,
onde o stress é preferível à companhia do outro;
em que vale pena se submeter voluntariamente
a um instrumento de tortura medieval,
em que passar a vida esperando a morte não soa assim tão mal...

Pode chegar um momento em suas vidas,
em que a promessa não consegue mais prevalecer;
em que a experiência derrota a esperança;
em que não faz mais sentido permanecer...
em que não há mais nada a fazer,
senão tomar o remédio amargo,
na agonia que o veneno feche e cicatrize a ferida,
em vez de provavelmente matar o paciente.

Rio de Janeiro, 24 de abril de 2010

8 comentários:

  1. Esses tempos entrei no Shopping, entrei para viajar...e um livro entre muitos chamou-me atenção. " O divórcio começa no namoro". Quando há transfiguração do amor e o silêncio é o beijo mais ardente do casal, sintomas de uma doença crônica de início de relação (talvez um tanto desconhecida ou encoberta pelo fogo ardente da paixão)[...] O melhor momento da vida é quando os horários mesmo incompatíveis, sede segundos para um bilhetinho( será que ainda há bilhetinhos apaixonados?), um beijo, um cheiro, um sim para o amor Utopia a minha....
    Belo texto, belas palavras que dão asas a outras palavras, a outros sentimentos. Desconexos meus escritos.
    Bom te ler!
    Bjs
    Teca

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  2. Prezada Teca
    Valeu mesmo a força!
    O tema é realmente profundo, não?
    Bjs,
    RPF

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  3. Lindo e atual! comentando... chegará um momento em que não mais ouviremos a melodia dos sentimentos, o ritmo de algum coração e, sem escutar a harmonia da vida, inevitavelmente duvidaremos que somos seres humanos.

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  4. Querida Clívia

    Eu não faria descrição melhor...
    Beijos,

    RPF

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  5. Onde o pouco se torna muito em um marasmo de esperança que já não existe mais...

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