sábado, 19 de fevereiro de 2022

Primavera




 Menino chora

Pipa sumiu no espaço

Linha partida.


Galhos curvados

como a pedir perdão

Nobre chorão.


Finados... Mortos

Presença dos ausentes

Quanta saudade...


Iracema de Camargo Aranha

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Desejo morrer




Desejo morrer

por não poder

fazer mais do que

fiz para você,

na ilusão de que controlaria

onde o Sol um dia se poria.


Desejo morrer

por não conseguir

fazer você afinal sorrir

depois de uma vida

de luta, dor e lamento

como se sua sina fosse o sofrimento.


Desejo morrer

por não consumar o

tudo que sonhei realizar,

sentindo-me preso

a uma vida sem sabor

onde nunca terei o fogo do amor.


Salvador, 16 de junho de 2018.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Passagem secreta





Quem saltará

do fundo do meu espelho

revestido de bruma

de elmo

de escudo

e espada na mão?


Certamente

cavaleiro templário

dono de estratagemas e artifícios

fiel guardião

de todos os meus mistérios.



Társio Pinheiro

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Banalização da Morte





 A TV divulga, a rádio anuncia,

o jornal comunica

o saldo das mortes do final de semana...

o trânsito, o acidente doméstico

ou a costumeira e pontual queima de arquivo...


Normal...


Ouvimos impassíveis,

tomando o café nosso de cada dia,

no meio das notícias políticas

ou da alegria, tristeza com

o resultado do jogo do nosso time...


Normal...


Não há espaço para indignação,

nem mesmo há tempo para isso...

A informação passa por

nossos olhos e ouvidos

como uma brisa imperceptível...


Normal...


O sangue escorre das imagens,

do som e dos papéis...

mas não se sente nada...

Anestesia coletiva, difusa e impessoal...

A apatia e a indiferença

não fazem acepção de pessoas...


Normal...

Normal?


Salvador, 16 de agosto de 2010, uma segunda-feira sangrenta...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A CHEGADA





A estrada pertence ao homem que a ilumina

e busca dar certeza

aos passos que exercita afoito.

É também da mulher que aguarda dar à luz,

suor brotando meio ao sangue,

o seio pesado e entumescido

premiando a vitória do parir.



Cordões rompidos preservam resquícios,

rastros de passado na terra úmida;

frutos cobiçados, maturação alcançada,

choro irrompendo uma membrana fina.

Ainda que os mortos-vivos se levantem,

e cantem pela manhã os pássaros indiferentes,

o mundo é dos obstinados que se entregam,

e pensam que carregam o necessário dentro de si.



A chegada, porém, pertence ao homem corajoso,

aquele que despreza o tempo no afago à sua amada;

à mãe que sorri, indolente, noite enluarada,

e conta sempre ao filho coisas engraçadas.

Não precisa dormir, nem dar à luz, nem nada,

tampouco encenar uma vida agitada.

O final da rota é apenas o início,

um útero macio que comporta, aquecido,

a calma experiência de um viver fugaz.



Georgina  Albuquerque

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

O Prego no Caixão

 

A última nota na canção.

O arremate da costura

O ponto final na redação





O encerramento da semeadura

O beijo de despedida

O suspiro final

A lágrima vertida

O pecado original

O Adeus na partida

O final da festa

A palavra definitiva

O que mais nos resta


Praia do Forte, 03 de junho de 2018.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Canção I

 



Fermosa e gentil Dama, quando vejo

a testa de ouro e neve, o lindo aspeito,

a boca graciosa, o riso honesto,

o marmóreo colo e branco peito,

de meu não quero mais que meu desejo,

nem mais de vos que ver tão lindo gesto.

Ali me manifesto

por vosso a Deus e ao mundo; ali me inflamo

nas lágrimas que choro;

e de mim, que vos amo,

em ver que soube amar-vos, me namoro;

e fico por mim só perdido, de arte

que hei ciúmes de mim por vossa parte.


Se porventura vivo descontente

por fraqueza de esprito, padecendo

a doce pena que entender não sei,

fujo de mim e acolho-me, correndo,

à vossa vista; e fico tão contente

que zombo dos tormentos que passei.

De quem me queixarei

se vós me dais a vida deste jeito

nos males que padeço,

senão de meu sujeito,

que não cabe com bem de tanto preço?

Mas ainda isso de mim cuidar não posso,

de estar muito soberbo com ser vosso.


Se, por algum acerto, Amor vos erra,

por parte do desejo cometendo

algum nefando e torpe desatino;

se ainda mais que ver, enfim, pretendo;

fraquezas são do corpo, que é de terra,

mas não do pensamento, que é divino.

Se tão alto imagino

que de vista me perco – peco nisto –,


desculpa-me o que vejo;

que se, enfim, resisto

contra tão atrevido e vão desejo,

faço-me forte em vossa vista pura,

e armo-me de vossa fermosura.


Das delicadas sobrancelhas pretas

os arcos, com que fere, Amor tomou,

e fez a linda corda dos cabelos;

e, porque de vós tudo lhe quadrou,

dos raios desses olhos fez as setas

com que fere quem alça os seus, a vê-los.

Olhos, que são tão belos,

dão armas de vantagem ao Amor,

com que as almas destrui;

porém, se é grande a dor,

co a alteza do mal a restitui;

e as armas com que mata são de sorte

que ainda lhe ficais devendo a morte.


Lágrimas e suspiros, pensamentos,

quem deles se queixar, fermosa Dama,

mimoso está do mal que por vós sente.

Que maior bem deseja quem vos ama

que estar desabafando seus tormentos,

chorando, imaginando docemente?

Quem vive descontente

não há-de dar alívio a seu desgosto,

por que se lhe agradeça;

mas com alegre rosto

sofra seus males, para que os mereça;

que quem do mal se queixa, que padece,

fá-lo porque esta glória não conhece.


De modo que, se cai o pensamento

em algüa fraqueza, de contente

é porque este segredo não conheço:

assi que com razões, não tão-somente

desculpo ao Amor de meu tormento,

mas ainda a culpa sua lhe agradeço.

Por esta fé mereço

a graça, que esses olhos acompanha,

o bem do doce riso;

mas porém não se ganha

cum paraíso outro paraíso.

E assi, de enleada, a esperança

se satisfaz co bem que não alcança.


Se com razões escuso meu remédio,

sabe, Canção, que, porque não vejo,

engano com palavras o desejo.



Luís Vaz de Camões