sábado, 9 de dezembro de 2023

Diálogo de um Amor Platônico

 





Rodolfo Pamplona Filho


Amada...


Desde que você apareceu,

meu mundo mudou

e hoje é fácil enxergar

como eu sou...


A riqueza do nosso beijo

vai além do desejo compreensível e quente

já que, mesmo aparente,

ele não é suficiente...


Não quero pressa

...nem medo e receio

não quero um desvario,

nem loucuras de adolescente


Eu quero que você me veja com sono,

cochilando em seus braços,

e sentir me levar para cama

e me cobrir de abraços


Amada...

renuncie ao que te ensinaram

como um único caminho

e ouça o que tenho a dizer...


Vivamos um amor único

herde o tempo de forma eterna

construa comigo fantasias etéreas

apenas com belezas e suspiros


Não me importo com sexo...

Não quero te pressionar a nada...

Quero apenas a certeza

de que você é meu porto seguro...


Cale-me com seu beijo,

sinta meu cheiro e pense no desejo,

olhe fundo nos meu olhos

e me deite em seu colo


Amado...


Encontrar você foi um presente

que a vida reservou de forma surpreendente

para trazer luz ao que estava apagado,

para trazer poesia ao que estava fechado


Um beijo é somente um marco

do início de uma história,

que não precisa ser um parto

de uma apressada vitória.


Eu também não quero pressa,

não quero quebrar o que é mágico...

Prefiro a delicadeza da promessa

do que forçar algo e ser trágico.


Quero ter sono ao seu lado

e, simplesmente, dormir,

para ter a beleza do cuidado

e não deixar o outro partir...


Amado...

Renuncio a tudo que aprendi

e não quero qualquer contato,

se isso importar em nos cindir.


Viverei, sim, este amor único,

sem necessidade de carnalizar,

herdando este tempo lúdico

de fantasiar e somente suspirar...


Também não me importo com sexo

e não me frustrarei em viver assim,

pois ser o seu porto é o meu nexo

de viver em um ritmo afim...


Prefiro sentir seu cheiro e ouvir sua voz

a calá-lo somente com um beijo.

Prefiro nunca mais viver só,

pois meu colo é seu travesseiro.


Salvador, 3 de outubro de 2010.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A mãe do primeiro filho

 




Murilo Mendes


 

Carmem fica matutando

no seu corpo já passado.



— Até à volta, meu seio

De mil novecentos e doze.

Adeus, minha perna linda

De mil novecentos e quinze.

Quando eu estava no colégio

Meu corpo era bem diferente.

Quando acabei o namoro

Meu corpo era bem diferente.

Quando um dia me casei

Meu corpo era bem diferente.

Nunca mais eu hei de ver

Meus quadris do ano passado...



A tarde já madurou

E Carmem fica pensando.

 


quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

É melhor não irmos além disso

 





Rodolfo Pamplona Filho


É melhor não irmos além disso,

antes que não seja possível

manter nossa sanidade mental.


É melhor não irmos além disso,

antes que os que nos amam

machuquem-se mais do que o normal.


É melhor não irmos além disso,

antes que alguém reaja

com violência animal.


É melhor não irmos além disso,

antes que nosso sofrimento

seja maior que o habitual.


É melhor não irmos além disso,

antes que um lindo romance

vire atração fatal.


É melhor não irmos além disso,

antes que nosso amor casto

torne-se meramente carnal.


É melhor não irmos além disso,

antes que o gosto doce da sua boca

vire amargo fel e sal.


É melhor não irmos além disso,

antes que o que só nos faz bem,

de repente, nos faça só mal...


É melhor não irmos além disso,

pois continuarei te amando sempre,

independentemente de qualquer final.


É melhor não irmos além disso...

É melhor não irmos além disso...


Salvador, 04 de outubro de 2010.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

O filho do século

 




Murilo Mendes



Nunca mais andarei de bicicleta

Nem conversarei no portão

Com meninas de cabelos cacheados

Adeus valsa "Danúbio Azul"

Adeus tardes preguiçosas

Adeus cheiros do mundo sambas

Adeus puro amor

Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem

Não tenho forças para gritar um grande grito

Cairei no chão do século vinte

Aguardem-me lá fora

As multidões famintas justiceiras

Sujeitos com gases venenosos

É a hora das barricadas

É a hora da fuzilamento, da raiva maior

Os vivos pedem vingança

Os mortos minerais vegetais pedem vingança

É a hora do protesto geral

É a hora dos vôos destruidores

É a hora das barricadas, dos fuzilamentos

Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,

Misérias de todos os países uni-vos

Fogem a galope os anjos-aviões

Carregando o cálice da esperança

Tempo espaço firmes porque me abandonastes.


terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Do Riso ao Pranto


Rodolfo Pamplona Filho


Do riso ao pranto,

procuro o meu canto,

onde possa viver,

onde possa chorar,

onde possa ser eu mesmo...

buscando algum lugar aonde eu possa fugir, me sentindo em casa..

buscando algum lugar onde eu possa estar em casa, fugindo do mundo...


Salvador, 05 de outubro de 2010.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Cantiga de Malazarte




Murilo Mendes


Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,

ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.

Não desprezo nada que tenha visto,

todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.

Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,

destelho as casas penduradas na terra,

tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.

Desloco as consciências,

a rua estala com os meus passos,

e ando nos quatro cantos da vida.

Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,

não posso amar ninguém porque sou o amor,

tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos

e a pedir desculpas ao mendigo.

Sou o espírito que assiste à Criação

e que bole em todas as almas que encontra.

Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.

Nada me fixa nos caminhos do mundo.



domingo, 3 de dezembro de 2023

(Re)Início



Rodolfo Pamplona Filho


Jamais vou deixar de te sonhar

(im)perfeito quando eu bem quiser

E essa inocência no olhar

Conquistei ao perder o medo em acreditar...


Que tudo se pode

Que tudo se deve

Quando o pensamento comove

E a alma agradece


Talvez não penses em mim assim

Talvez penses como todos os outros,

que, com gestos tolos,

sucumbiram em meus desgostos


Prefiro não acreditar

e que, ao acordar,

eu possa vislumbrar

um sorriso em meu olhar


de prazer,

de temer

que essa magia não se vá

pois eu a quero perpetuar.


Salvador, 10 de setembro de 2010.