sábado, 5 de agosto de 2023

Poema a quatro mãos (ou “Poema da amizade”)

 


Rodolfo Pamplona Filho


Amizade não se mede,

não se vende, nem se cede

Amizade se vive em verso e prosa

Amizade é a coisa mais poderosa

que pode ocorrer na vida,

por mais que ela seja sofrida,

pois um amigo é o pai ou o irmão,

que a gente elege pelo coração!


E se fosse medida em peso?

Seria tonelada

E se fosse medida em calor?

Seria o sol e mais nada!

Sendo medida em luz...

É certo cegaria!

Se fosse medida em tempo?

O infinito bastaria!


Se amizade pudesse ser vendida,

seu preço seria inestimável!

Se pudesse ser cedida,

seria uma herança notável!

Não cabe cobrança por presença!

É a sintonia atemporal

capaz de lavrar a sentença

de um amor fraterno e imortal!




Salvador, 07 de julho de 2020. 


sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Minha Madrinha

 



Taumaturgo Vaz







Aqui na terra, desiludido


Tonto, perdido,


Saio das cinzas deste vulcão,


Para ouvir missa na capelinha,


Lá, onde mora Minha Madrinha,


Nossa Senhora da Conceição!






Ao pé do nicho branco e enflorado,


Ajoelhado,


De olhos abertos fitos no altar


Rezo baixinho... Santa alegria!


Minha Madrinha!  Ave Maria!


Cheia de Graça!  Graça sem par!






Mãe de Jesus!  Flor do Carinho!


Secai os cardos do meu caminho!


Livrai-me do ódio de Humanidade!


Da inveja torpe, da iniqüidade


E da traição,


Que ora andam soltos e voejando,


Como de Corvos um negro bando,


Sob a amplidão!


Tende Piedade, doce Rainha!


Minha Madrinha!  Minha Madrinha!


Nossa Senhora da Conceição!






Olhai, oh Virgem, quantos tormentos


Sofrem os justos!  Quantos lamentos


Soltos aos ventos!


Quanta miséria!  Quanto pesar!


Cessai, oh Virgem, esta Agonia,


Minha Madrinha!  Ave Maria!


Cheia de Graça, Graça sem par!






Lá nos Palácios o oiro e o incenso,


Risos e danças, um mundo imenso


De luz e pompas, sedas e aromas,


Lembrando os velhos tempos de Roma


A era negra da perdição!


E fora, o pranto, o frio, a fome... 


Tudo que é triste, fere e consome 


os pobres velhos e as criancinhas!  


Vinde por eles, Minha Madrinha!  


Nossa Senhora da Conceição!






De olhos abertos fico rezando 


Fora do mundo, junto do altar, 


Vendo chegar o doce bando


Das esperanças,


— Anjos formosos, meigas crianças


Rubras centelhas


Dos céus descidos para o Perdão!


E, como a Virgem tudo adivinha,


Ri-se bondosa.  Salve Rainha!


Cheia de Graça!  Minha Madrinha!


Nossa Senhora da Conceição!

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Bioética

 


Rodolfo Pamplona Filho



Conhecer os limites do tolerável 


Aprender os caminhos do aceitável 


Saber os limites 


do que se pode na concreção 


e do que não se deve na regulação 


Entender 


que nem sempre a imaginação 


é a melhor conselheira da ação,


pois nem tudo que é possível 


é factível ou recomendável.


Ter, ao final,


apenas a simples consciência 


de que, acima de tudo, vida,


mas, sobretudo, ética.




Salvador, madrugada de 10 de fevereiro de 2022.

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Canção I

 




Luís Vaz de Camões



Fermosa e gentil Dama, quando vejo


a testa de ouro e neve, o lindo aspeito,


a boca graciosa, o riso honesto,


o marmóreo colo e branco peito,


de meu não quero mais que meu desejo,


nem mais de vos que ver tão lindo gesto.


Ali me manifesto


por vosso a Deus e ao mundo; ali me inflamo


nas lágrimas que choro;


e de mim, que vos amo,


em ver que soube amar-vos, me namoro;


e fico por mim só perdido, de arte


que hei ciúmes de mim por vossa parte.




Se porventura vivo descontente


por fraqueza de esprito, padecendo


a doce pena que entender não sei,


fujo de mim e acolho-me, correndo,


à vossa vista; e fico tão contente


que zombo dos tormentos que passei.


De quem me queixarei


se vós me dais a vida deste jeito


nos males que padeço,


senão de meu sujeito,


que não cabe com bem de tanto preço?


Mas ainda isso de mim cuidar não posso,


de estar muito soberbo com ser vosso.




Se, por algum acerto, Amor vos erra,


por parte do desejo cometendo


algum nefando e torpe desatino;


se ainda mais que ver, enfim, pretendo;


fraquezas são do corpo, que é de terra,


mas não do pensamento, que é divino.


Se tão alto imagino


que de vista me perco – peco nisto –,




desculpa-me o que vejo;


que se, enfim, resisto


contra tão atrevido e vão desejo,


faço-me forte em vossa vista pura,


e armo-me de vossa fermosura.




Das delicadas sobrancelhas pretas


os arcos, com que fere, Amor tomou,


e fez a linda corda dos cabelos;


e, porque de vós tudo lhe quadrou,


dos raios desses olhos fez as setas


com que fere quem alça os seus, a vê-los.


Olhos, que são tão belos,


dão armas de vantagem ao Amor,


com que as almas destrui;


porém, se é grande a dor,


co a alteza do mal a restitui;


e as armas com que mata são de sorte


que ainda lhe ficais devendo a morte.




Lágrimas e suspiros, pensamentos,


quem deles se queixar, fermosa Dama,


mimoso está do mal que por vós sente.


Que maior bem deseja quem vos ama


que estar desabafando seus tormentos,


chorando, imaginando docemente?


Quem vive descontente


não há-de dar alívio a seu desgosto,


por que se lhe agradeça;


mas com alegre rosto


sofra seus males, para que os mereça;


que quem do mal se queixa, que padece,


fá-lo porque esta glória não conhece.




De modo que, se cai o pensamento


em algüa fraqueza, de contente


é porque este segredo não conheço:


assi que com razões, não tão-somente


desculpo ao Amor de meu tormento,


mas ainda a culpa sua lhe agradeço.


Por esta fé mereço


a graça, que esses olhos acompanha,


o bem do doce riso;


mas porém não se ganha


cum paraíso outro paraíso.


E assi, de enleada, a esperança


se satisfaz co bem que não alcança.




Se com razões escuso meu remédio,


sabe, Canção, que, porque não vejo,


engano com palavras o desejo.







terça-feira, 1 de agosto de 2023

O Viço

 


Rodolfo Pamplona Filho



E se, de repente,


eu te dissesse que não queria mais


viver no mesmo teto, na mesma cama


e que tudo que planejamos


não era mais essencial pra minha chama




E se, de repente


eu te dissesse que meu coração foi tomado


por uma vontade imensa de viver


que não engloba a rotina


que você tem a me oferecer




E se, de repente,


a pergunta que aparecesse


fosse: "Você não me ama mais?”


ou “Você arranjou outra?"


Seria o comum a se falar


pois rupturas ensejam esse pensar




E se, de repente,


tudo que era sólido


se desfizesse no ar


como grãos de areia nas mãos de uma criança,


caindo incessamente na ampulheta da vida.




Isso tudo nada teria a ver com amor,


pois eu continuarei te amando


da mesma forma pura e feliz...


Isso tudo nada teria a ver com amor,


mas com o viço que eu sempre quis...




Será que este viço se perderá?


Se este viço, sem querer, se perder


não será por outro alguém,


mas pelo próprio destino maduro


de uma essência que quer mais do que se tem.



Salvador, 28 de outubro de 2010.

segunda-feira, 31 de julho de 2023

A CHEGADA

 



Georgina  Albuquerque



A estrada pertence ao homem que a ilumina


e busca dar certeza


aos passos que exercita afoito.


É também da mulher que aguarda dar à luz,


suor brotando meio ao sangue,


o seio pesado e entumescido


premiando a vitória do parir.






Cordões rompidos preservam resquícios,


rastros de passado na terra úmida;


frutos cobiçados, maturação alcançada,


choro irrompendo uma membrana fina.


Ainda que os mortos-vivos se levantem,


e cantem pela manhã os pássaros indiferentes,


o mundo é dos obstinados que se entregam,


e pensam que carregam o necessário dentro de si.






A chegada, porém, pertence ao homem corajoso,


aquele que despreza o tempo no afago à sua amada;


à mãe que sorri, indolente, noite enluarada,


e conta sempre ao filho coisas engraçadas.


Não precisa dormir, nem dar à luz, nem nada,


tampouco encenar uma vida agitada.


O final da rota é apenas o início,


um útero macio que comporta, aquecido,


a calma experiência de um viver fugaz.







domingo, 30 de julho de 2023

“Redação Jurídica”

 


Rodolfo Pamplona Filho


Concisão 

Clareza

Precisão 

Certeza

Convicção 

de Presteza

Sensação 

de Correnteza

Ostentação 

de Fortaleza

Condenação 

à Tristeza,

se a redação 

não tiver a beleza

da comunicação 

com destreza

na perfeita compreensão 

da leveza e firmeza




Salvador, 16 de julho de 2022.


O Prego no Caixão

 



 Rodolfo Pamplona Filho


A última nota na canção.

O arremate da costura

O ponto final na redação



O encerramento da semeadura

O beijo de despedida

O suspiro final

A lágrima vertida

O pecado original

O Adeus na partida

O final da festa

A palavra definitiva

O que mais nos resta




Praia do Forte, 03 de junho de 2018.