sábado, 10 de outubro de 2015

Possibilidades

Rodolfo Pamplona Filho






Não se aborreça com o que podia ter ocorrido.
Não se aborreça com o que pode acontecer.
Não se aborreça com o que não aconteceu.
Não se aborreça com nada.
Não se aborreça.


Stellenbosch, 12 de setembro de 2015.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Novas Poesias Inéditas


Alberto Caeiro





Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem  alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo :  "Fui  eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Barnabé

Rodolfo Pamplona Filho





Poucas missões
são tão enriquecedoras
quanto servir
à comunidade!
Orientar,
esclarecer,
o caminho mostrar,
não deixar se perder...
Acreditar que
está a contribuir
para o bem da coletividade,
pois realmente assim está!
E nunca cair em tentação
da corrupção,
da falta de motivação,
da anestesia,
da letargia,
da reclamação por qualquer razão,
da desonra da mais nobre função:
Servir, não servir-se!


Capetown, 11 de setembro de 2015.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Desejos vãos

Florbela Espanca





Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!


Eu queria ser o sol, a luz intensa
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!


Mas o mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos céus, os braços, como um crente!


E o sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as pedras... essas... pisá-as toda a gente!...
Florbela Espanca - Fanatismo


Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não es sequer razão do meu viver,
Pois que tu es já toda a minha vida!


Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo , meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!


"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!


E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu es como Deus: Princípio e Fim!..."


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Promessas

Rodolfo Pamplona Filho






Promessas não são certeza,
mas possibilidades...
Jurar pela saúde de alguém
é comprometer-se de forma séria,
muitas vezes publicamente,
mas não garante a conduta,
nem muito menos o resultado.
No acerto de contas,
todo pacta sunt servanda
é, potencialmente,
rebus sic stantibus...


Áquila Safari, 09 de setembro de 2015.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A cidade

Myriam Fraga





Foi plantada no mar
E entre corais se levanta.
O salitre é seu ar, 
Sua coroa, sua trança
de salsugem, 
Seu vestido de ametista, 
Seu manto de sal
E musgo.


Armada em firme silêncio
Dependura-se dos montes
E tão precário equilíbrio
Se propõe
Que além da porta ou portada, 
De janela ou de horizonte, 
O que a sustenta é o mistério, 
Triste chão, sombra vazia, 
Tempo escorrendo das pedras, 
Lacerado nas esquinas, 
Tempo — sudário e guia.




Mas que fera (ou animal)
Esta cidade antiga
Com sua densa pupila
Espreitando entre torres, 
Seu hálito de concha
A babujar segredos, 
Deitada entre os meus pés, 
Minha cadela e amiga.


Repete esta dureza
Este arfar entre dentes, 
Seu pulmão de basalto
Onde a morte respira.
E nas sombras da tarde
Em sangue no poente, 
Abre os olhos sem pálpebras
E dança. Em maresia
E estrelas afogada.


E nesta coreografia, 
Sopro de antigas paisagens
Um calendário se arrasta, 
Nas corroídas legendas
Apodrecidas fachadas
A mastigar as divisas
E outros símbolos manchados, 
Nos brasões onde goteja
O limo do esquecimento.


Não fosse a imaginada
Profecia, face e apelo
Das inscrições lapidares
Palimpsesto ou astrolábio
Na pedra, na cal, nos muros, 
Fendida casca de um mundo
Coagulado em memórias.


Restavam ossos e nomes, 
Desassistida batalha
Contra o tempo. E esta cidade, 
Com seu signo, seu quadrante
De cristal, 
Sua mensagem de calcário, 
Desfeita em vaga o soluço, 
Mergulharia no espaço
Pássaro alado, albergália.

domingo, 4 de outubro de 2015

Nenhum corpo é como o seu

Rodolfo Pamplona Filho





Nele, me espalho,
como a explorar
um território encantado
e inebriante...
Nele, me encaixo,
como se moldado
para uma sintonia exclusiva
e reconfortante...
Nele, procuro
cada forma de excitação,para sentir o arrepio
da troca de experiências.
Nele, coloco
minha língua,
meu desejo,
minha essência.
Nele, exercito
cada parte de meu ser,
esgotando cada líquido
e entregando o que sou...
Nele, descanso
sem medo do mundo lá fora,
pois o amanhã pertence
a quem descobriu o seu amor.



Capetown, 10 de setembro de 2015.