sábado, 26 de novembro de 2022

Vaidade

 




Florbela Espanca



A um grande poeta de Portugal



Sonho que sou a Poetisa eleita,

Aquela que diz tudo e tudo sabe,

Que tem a inspiração pura e perfeita,

Que reúne num verso a imensidade !



Sonho que um verso meu tem claridade

Para encher todo o mundo ! E que deleita

Mesmo aqueles que morrem de saudade !

Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !



Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...

Aquela de saber vasto e profundo,

Aos pés de quem a Terra anda curvada !



E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando,

Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...



Livro de mágoas (1919)


sexta-feira, 25 de novembro de 2022

On Every Street

 




Rodolfo Pamplona Filho


On Every Street

I can sleep

On Every Street

I can live

On Every Street

I can be myself


I don’t need a house

to have a shelter

I don’t need a job

to have a matter

I don’t need an office

to write a letter

I’d be a louse

if I can live better


I can take a shower with the rain

I can be everywhere without pain

I can survive without a home

but I don’t like to be alone

I don’t need money to be happy

I prefer to be poor than be a sadist

Homeless, Yes!

But Never Loveless...


quinta-feira, 24 de novembro de 2022

SONETO

 




Rubem Braga



E quando nós saímos era a Lua,

Era o vento caído e o mar sereno

Azul e cinza-azul anoitecendo

A tarde ruiva das amendoeiras.


E respiramos, livres das ardências

Do sol, que nos levara à sombra cauta

Tangidos pelo canto das cigarras

Dentro e fora de nós exasperadas.


Andamos em silêncio pela praia.

Nos corpos leves e lavados ia

O sentimento do prazer cumprido.


Se mágoa me ficou na despedida

Não fez mal que ficasse, nem doesse –

Era bem doce, perto das antigas.

(1947)

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

O Tempo é o Senhor da Razão

 



Rodolfo Pamplona Filho




Quantas vezes eu gostaria


de alterar a ordem do dia


e poder fazer de forma diferente


o que encontro no tempo presente.




Vejo como eu poderia encontrar alegria


onde, hoje, só vejo melancolia


e descobrir uma felicidade


que perdi pouco a pouco com a idade...




Será que é possível mudar


opções que fiz no caminhar


por não saber o que me esperava


ou o que na minha vida faltava...




Como eu poderia saber ou prever


que o destino reservaria novo prazer,


encontrando novo sentido no viver


e uma forma alternativa de ser...




Ainda terei coragem para novo desafio?


Ainda enfrentarei tudo com brio?


Conseguirei ser outro alguém?


Encontrarei um mundo além?




Dúvidas são uma constante


em uma mudança tão fulminante


e o receio não é uma temeridade


no encontro da essência de verdade!




Conheço o que já tenho e não é perfeito!


Sei o que quero e o que não mais aceito!


A esperança é o gás da Transformação


e o Tempo é o Senhor da Razão...




São Paulo, 20 de novembro de 2010.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

RETROSPECTO

 




Humberto de Campos


 

Vinte e seis anos, trinta amores: trinta

vezes a alma de sonhos fatigada.

e, ao fim de tudo, como ao fim de cada

amor, a alma de amor sempre faminta!

 

Ó mocidade que foges! brada

aos  meus ouvidos teu futuro, e pinta

aos meus olhos mortais, com toda a tinta,

os remorsos da vida dissipada!

 

Derramo os olhos por mim mesmo... E, nesta

muda consulta ao coração cansado,

que é que vejo? que sinto?  que me resta?

 

Nada: ao fim do caminho percorrido,

o ódio de trinta vezes ter jurado

e o horror de trinta vezes ter mentido!

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Desespero

 




Rodolfo Pamplona Filho


Ninguém vai saber minhas intenções...

Ninguém vai saber minhas intenções...

...minhas intenções...


Onde é o seu lar?

Onde é o seu deserto?

Prefiro vagar

Sem destino certo

(desespero)

Ninguém vai sair daqui com vida!

Faça o que quer

Faça como quiser

Faça como puder


A vida é muito curta

E a dor é muito grande

Quando não se tem fé,

A paz é um sonho distante

Meus pés estão no chão,

Minha cabeça está na lua,

Minha família está na rua

E eu não sei o que fazer!

Um filho sem o pão

Um choro de criança

Faminta de esperança

Me faz enfrentar... a realidade!


Onde é o seu lar?

Onde é o seu deserto?

Não há saída!

Estou perdido!!!

“Meu Deus, o que fiz?”


Letra: Rodolfo Pamplona Filho

Música: Rodolfo Ramirez / Cedric Romano

(maio/1988)

domingo, 20 de novembro de 2022

Cinzas

 




Heitor Lima


    A última brasa ardeu na cinza adusta:

    Tudo passou, tudo se fez em poeira...

    E na minha alma, que o abandono assusta,

    Morre a luz da esperança derradeira.



    O amor mais casto, a aspiração mais justa

    Têm a desilusão para fronteira...

    Um momento de sonho às vezes custa

    O sacrifício da existência inteira!



    Chama efêmera, o amor! Baldado surto,

    A glória! Ah! coração mesquinho e raso...

    Ah! pensamento presumido e curto...



    E o amor, que arrasta, e a glória, que fascina,

    — Tudo se perderá no mesmo ocaso

    E se confundirá na mesma ruína.