sábado, 10 de setembro de 2022

O Sítio

 






Em cada canto da casa,

teu cheiro felino


Em tudo reluz

Nas folhas, teus cabelos embaraçam

No vento, teu som-só sopra prazeres


N'água, teu corpo escorre segredos

Nas pedras, teus pés nus-húmidos gozam

Em cada canto de mim, teu cheiro felino

Em tudo reluz


André Carvalheira

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Soneto da Musa Passante

 




Você é, para mim, "a mulher que passa"...

Surge em minha vida como um perfume que inebria...

Desperta meu encanto como uma palavra lapidada

Encanta o meu desejo como um sonho que se realiza...


Deixe eu amar como se fosse a primeira vez,

mesmo que isso soe como um clichê,

pois quero deixá-la plena, da alma à tez,

descobrindo o prazer em você...


A musa é muito mais que inspiração...

É, da alma, a mais pura renovação,

que impulsiona o poeta a novos desafios


A musa é conforto e calor,

paixão incandescente e amor,

que preenche o que estava vazio.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Visão de Verão




Olga Amorim


A gata galga o muro

reclama o cão escuro.


A romã pintalga.

o calor perdura.


A romã estala.

O calor perdura.


Voeja o beija-flor.

O calor perdura.


Abelha ronda o aroma

da goiaba madura.


O calor perdura.

Bem-te-vi te-vi te-vi

na antena de televisão.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Eu digo Não!


Rodolfo Pamplona Filho



Eu digo não a quem faz corrupção

Eu digo não a quem aumenta o feijão

Eu digo não a quem faz parte do Centrão

Eu digo não a político ladrão

Eu digo não a quem faz nada no Senado

Eu digo não a seu nobre Deputado

Eu digo não ao governador do Estado

Eu digo não a quem põe povo de lado

Eu digo não à União Ruralista

Eu digo não ao Partido Comunista

Eu digo não ao homem do decreto-lei

Eu digo não ao presidente José Sarney


Eu digo não à perda da inocência

Eu digo não a viver em violência

Eu digo não ao rombo da previdência

Eu digo não a esta falta de decência

Eu digo não a quem só sabe mandar

Eu digo não a quem vive a torturar

Eu digo não a quem mata para calar

Eu digo não à ditadura militar


(1987)

Letra: Rodolfo Pamplona Filho

Música: Rodolfo Pamplona Filho, Cedric Romano e Jorge Pigeard

terça-feira, 6 de setembro de 2022

A Esperança







 Augusto dos Anjos


A Esperança não murcha, ela não cansa,

Também como ela não sucumbe a Crença.

Vão-se sonhos nas asas da Descrença,

Voltam sonhos nas asas da Esperança.


Muita gente infeliz assim não pensa;

No entanto o mundo é uma ilusão completa,

E não é a Esperança por sentença

Este laço que ao mundo nos manieta?


Mocidade, portanto, ergue o teu grito,

Sirva-te a crença de fanal bendito,

Salve-te a glória no futuro - avança!


E eu, que vivo atrelado ao desalento,

Também espero o fim do meu tormento,

Na voz da morte a me bradar: descansa!

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Incompatibilidade de Vidas




 Ele ainda quer paixão

Ela só pensa em comprar o pão

Ele quer uma nova chance

Ela nem lembra mais o lance


Ele quer sexo selvagem

Ela quer voltar da viagem

Ele busca romance no olhar

Ela só sabe reclamar


Ele quer experimentar novos sabores

Ela fotografa as mesmas flores

Ele quer dançar no meio da rua

Ela reprime quem olha para mulher nua


Ele busca nova diretriz

Ela se preocupa com o café

Ele ainda sonha em ser feliz

Ela tem certeza que é...


Ele.já desistiu de insistir

Ela ainda não percebeu

Ele já decidiu desistir

Ela pergunta se o erro foi seu?


Ele ainda a ama

E ela o ama também

mas suas vidas mudaram na cama,

na rotina e no que mais têm


e deixaram de ser casais

para virar sócios materiais,

espirituais e emocionais

de um passado que não volta mais...

domingo, 4 de setembro de 2022

Borges





 j.l.rocha do nascimento



Penetrei intricados labirintos

cruzei infinitas câmaras

e antes que minhas retinas mourejassem

fiz concessões

de que me envergonhei depois

e

não me perdi


na saída

vi um jardim de tulipas negras

um rio circular

em cujas águas purifiquei o corpo

quando emergi e me pus em terra firme

desfiz-me em grãos de areia

tornei-me infinitesimal

ainda assim

senti frio


fui varrido pelo tempo

busquei abrigo

nas  mil e uma noites

[imaginei que ali encontraria o sentido de tudo]

aqueci-me

mas aí veio a febre

numa delas

sonhei

que dormia como um justo

nos braços de Sherazade


toquei com o dedo a lâmina do espelho

vi vários de mim

multiplicados

sem fim

como naquele jogo que inventastes

sonhos tigres punhais


hoje são teus olhos

[Deus irônico!

engolidos pelo breu da noite]

guias opacos

que me arrastam

como a tua sombra

pelos corredores da biblioteca hexagonal


eu li [tu dissestes]

não há nada que é

ou que será

que [eu] já não tenha sido


agora sei do outro

[que é] o mesmo

ser Borges

duplo de si mesmo


eu sei você vai saber